O inicio do fim da C.A.D.A. - 2ª Parte Perguntei de seguida para que era tudo aquilo. Responderam-me então: - Não foi assim em 1961 que os vossos pais fizeram também? Respondi: - Não sou, nem sei desse tempo! - Se não foi o teu, foram outros. Daqui não passam sem ordem. Entretanto retorqui que se a ordem e salvo-conduto, eram pedidos em Vila Nova de Seles, na sede do partido, como é que queriam que eu já a tivesse na minha posse se ainda não tinha chegado a V.N. de Seles. Finalmente reconsideraram e deixaram-nos seguir. Posteriormente e já na posse da tal autorização de circulação passada pelo MPLA/UNITA, lá seguimos por todo aqueles controlos apertados, nas aldeias. Aqui tive consciência que aquele salvo-conduto poderia ser muito perigoso se, em alguma circunstância do percurso o Poder Popular, nem sempre facilmente identificável, fosse de outra cor política, neste caso da FNLA.O meu colega Vilela, já farto de tanto controlo precipitou-se e sem verificar a conotação ideológica do grupo, retira o papel do esconderijo e diz que temos ordem de passar. Fiquei estupefacto … e assustado! Tivemos sorte! Os homens eram da “cor” do documento, eram do MPLA\UNITA. Partimos e recomendei ao Vilela que nunca mais tivesse aquela atitude, pois podiam ser outros disfarçados e nós ficaríamos por ali. Tínhamos que auscultar previamente quem eram e só depois mostraríamos o documento. Nisto, olhei para o Ventura e nem queria acreditar … nem tinha reparado! Tinha vestido uma camisa com o símbolo do MPLA, o que representava um perigo acrescido. Estavam em causa as nossas vidas e em particular a dele, pois não sabíamos quem iríamos encontrar.O bom do Ventura olhando para mim, dando-me razão e não tendo outra alternativa despiu-a e vestiu-a do avesso. Quando chegámos à Vila da Conda, surgiu um problema. O comité não se responsabilizava por nada que nos pudesse acontecer depois do rio Cuvo, porque até ali quem dominava maioritariamente era o MPLA. Para substanciar esta posição, o comité assinou o salvo-conduto como sinal de que terminava ali a responsabilidade pela segurança dos viajantes. A viagem continuaria por nossa conta e risco porque depois das pontes e mais próximo da Gabela a ocupação era feita pela FNLA. A caminho da ponte fomos informados pelo comandante de uma companhia para seguirmos e à entrada da ponte informássemos que tínhamos ordem para continuar a viagem. Juntinho ao primeiro tabuleiro da ponte (ver sinalização na fotografia), vimos um homem deitado no chão, apontando uma metralhadora na nossa direcção. Saímos do jipe e informámos das ordens que havíamos recebido do comandante. Mas a resposta não se fez esperar: - Lá em cima manda o comandante! Aqui mando eu! Não passa, porque lá do outro lado está FNLA. Mostrei o documento assinado. Ele então pega na folha e tenta-a ler, mas de pernas para o ar! E ia repetindo o mesmo: - Não passa! Um soldado que sabia ler e estava junto, endireitou-lhe a folha e apontou-lhe a assinatura e disse: - Ó camarada, está assinada pelo comandante! Já inteirado dos factos e como bom subalterno mandou-nos seguir viagem. Temi este momento de travessia, pensei que as pontes estariam minadas.O objectivo tinha que ser atingido. Depois de ultrapassado o rio prosseguimos sem grandes contratempos, a certa altura deparámo-nos com um cabo de aço atravessado na estrada o que nos faz parar repentinamente, ficando este encostado ao pára-brisas. Nunca vi tanta gente, a sair e saltando do capinzal, cercando os carros. Novamente o Poder Popular. Depois de alguma conversa com o chefe, ele mandou-nos seguir. Não avançámos muitos metros e olhando para trás, verifico que a camioneta que me seguia continuava paradacom o povo de volta dos seus tripulantes. Parei o jipe, saí e fui ver o que se passava. O tema da conversa era novamente sobre os factos de 1961. - Estes foram (referindo-se ao camionista e mecânicos negros) os que avisaram os brancos dos ataques, agora estão a roubar o nosso dinheiro conduzindo os carros e nós aqui nos campos a trabalhar para eles! Dirigindo-me ao que estava a incentivá-los à vingança, disse-lhe: - Então amigo, tens filhos? Onde estão?- Sim, tenho! Estão na escola. Eu sabia que a CADA Amboim tinha escola primária na propriedade próximo daquele local. - Para quê? - - Para ter uma vida melhor que a minha. - Foi o que os pais destes camaradas fizeram. - Então tu depois vais maltratar os teus filhos e tirarlhes o seu ordenado só porque estudaram Estes camaradas estudaram. O camionista tirou a carta de condução e os outros são mecânicos.Olharam uns para os outros e em dialectos quimbundo disseram "AKA…AKA” “o branco tem razão”. Deixaram-nos partir. Seguimos viagem e chegámos salvos. Como podemos constatar, se eu não tivesse vindo na frente não sei se teríamos chegado ao fim da viagem sem outras consequências. Eram piores os confrontos entre eles, negros, do que connosco, brancos e colonos.Estou a ver, como se fosse hoje, o Sr. Eng. Corte Real, o meu pai e o homem da rádio TSF, à minha espera nas escadas dos escritórios da Boa Entrada. Foi entretanto feita a entrega do jipe, na garagem dos ligeiros. Despedimo-nos, eu e meu pai, do Sr. Eng. Corte Real e do homem da rádio - o Leonel, agradecendo. Entretanto reparei que o meu pai apresentava contusões na face, os olhos inchados e os pulsos com vergões negros. Contou-me então que tinha sido acorrentado, na nossa propriedade, molestado e espancado pelo Poder Popular/MPLA, porque se tinha recusado a entregar as armas de caça. A minha mãe ainda levou uma coronhada que a deixou desmaiada. Os nossos afilhados então reanimaram-na e aconselharam-na a entregar as armas, uma carabina 375 de cinco balas e uma caçadeira. Depois de as recolherem, verificaram, pela lista de registo de armas com o carimbo do governo provincial, ainda Português, que faltava a arma que o meu pai me tinha oferecido, uma caçadeira. Aí o meu pai disse que a mesma estava em meu poder, o que na realidade, não acontecia. Seguiu-se no dia seguinte o êxodo da população branca angolana e mestiça, da Gabela para Nova Lisboa (hoje Huambo) em coluna de viaturas. Soubemos posteriormente que, quando o primeiro carro da coluna estava a chegar à vila de Quibala, que distava da Gabela 70km, saía o último carro da Gabela. Obs -Em baixo na fotografia Retirada da Gabela. A nossa carrinha (o veículo assinalado nesta fotografia) que eu conduzia e a minha mãe ia ao lado. O meu pai, a pedido do dono da firma Rocha e Coelho, ia a conduzir um camião cisterna com combustível (o oitavo veículo que se observa na foto). A minha irmã ia com o Sr. Pouseiro. A partir daqui não sabíamos o que nos esperava. O destino era Nova Lisboa (Huambo) a uma distância de 360 Km. Tínhamos aí um aeroporto internacional.Foi o meu ultimo dia em terras do Quanza Sul. Meu pai depois de embarcarmos para Lisboa regressou à Cada tendo aí permanecido até á década de oitenta Um testemunho de - José António Marques DE: José Marques "Crónicas da CADA" Esta foi a 16ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC
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