A LONGA NHIA Já falei no palmar. Já falei do rio, Mas ainda merece mais uma crónica esta terra. Distante de tudo e de todos, encaixada lá para os confins por vezes inacessíveis do Dondo, pertencendo a uma circunscrição administrativa chamada Capôlo, era um jardim de palmeiras ordenadamente plantadas com o fim de colher o démdém, além de formosas hortas e pomares, belas extensões de lagoas e alguns muito charcos onde coexistia quase toda e espécie de bicharada dentro e fora de água. As frutas eram tão dotadas que as laranjas e as mangas nos deixavam nas mãos um melaço forte do açúcar que continham que nos obrigava a lavar de imediato. Animais de alto porte desde o olongo, ao nunce, á palanca em especial a palanca negra que era espécie protegida e pouco vista noutro lado, á pacaça, ao hipopótamo e descendo depois para os mais pequenos, o coelho, a lebre, e uma espécie de porquinho, cujo nome não me ocorre e que ás vezes pecava pela ousadia de ser curioso, até ás nuvens de rolas bravas que chegavam a ofuscar os céus quando voavam em bando, de tudo havia naquela terra... O palmar estendia-se como já o disse, por cerca de 20 kilómetros ininterruptos só numa direcção e um pouco menos numa outra isto chamadas em língua local Candumbo e Tar assim o nome das dependências que formavam a fazenda, já que o que no café se chamava de Roças, em palmar eram Fazendas. E o que alimentava esta riqueza? Nada mais que as águas de dois rios: O Longa para Candumbo e o Nhia para o Tar que na sua descida ao unirem-se formavam um único a que se chamou Long-anhia ou Longanhia e que alimentava não só o chão do restante palmar como todo o abastecimento de casas, fábrica e restantes usos de irrigação. Para jusante deste belo rio, a uns 20 quilómetros situava-se o Posto Administrativo a que pertencíamos, Capôlo, aonde só nos poderiam levar algumas picadas sem sinalização ou o barco, rio abaixo. Viviam aqui connosco, a duzentos e mais quilómetros de distancia de qualquer meio mais povoado, nada mais que um casal meu vizinho recém casados, mais distante embora próximo três solteirões, o Sr. Brito encarregado de tudo, o Sr. Barbosa, encarregado da Fábrica e o pequeno homem da escrita e das comunicações cujo nome muito me esforcei por lembrar sem o conseguir. O snr Pereira era o nosso vizinho próximo e era o Encarregado dos trabalhadores em geral. O hospital distava de minha casa uns cem metros e dispunha já de internamento, sala de consultas, depósito de medicamentos, sala de esterilização que me lembre. Separada por um espaço térreo situava-se a zona das cozinhas, salas de lavabos já com chuveiros e tudo servia de zona de lazer e “sala” de estar para os doentes e famílias pois estas eram sempre suas acompanhantes e assistentes, quer mulheres, quer filhos. O laser baseava-se em conversas e jogos, dos homens, onde era muito usado uma espécie de gamão com pedrinhas e buraquinhos na terra, e que dava para horas e horas de entretém, acompanhado de umas cigarradas e ou cachimbadas do tabaco em estado virgem colhido na chitaca[1] de cada um ou do vizinho. Uma coisa que sempre me impressionou é que os nativos da mesma etnia principalmente, tudo dividiam do que tinham á excepção do trabalho. Os viajantes e se faziam grandes caminhadas teriam sempre onde ficar e comer na passagem. A grande maioria dos trabalhadores eram Bailundos, naturais de uma região mais ao sul de Angola e eram sociáveis, alegres e com eles íamos aprendendo a linguagem nativa chegando eu mesmo a dispensar intérprete em conversas menos profundas sobretudo no que se relacionava com saúde. Todo o trabalho era iniciado mais ou menos com o nascer do sol pois que este astro ali fazia queimar na hora do zénite não se ensaiando nada par nos dar temperaturas entre os 40 e 50 graus centígrados e por isso chegávamos a levantar pelas cinco da manhã. Claro que isto poderá parecer um exagero ou de difícil aceitação mas não, porque o deitar era cedo por falta de ocupação e serviço acabado partia-se para outro dia. Beneficiava sobretudo os trabalhadores rurais pois que acabavam a sua empreitada pela hora do almoço. Nós á tardinha voltávamos ao trabalho. Concordava com esta prática. A assistência na saúde era completamente gratuita quer para trabalhadores, quer para familiares ascendentes ou descendentes e colaterais mas não se negava a qualquer outro necessitado. A luz do dia estendia-se desde as 5 horas até ás 9 ou 10 horas da noite sempre bem esplendorosa. De- Augusto Rebola AVISO - Todos os escritos deste autor estão registados e protegidos pelo o IGAC O inicio do fim da C.A.D.A. - 2ª Parte Perguntei de seguida para que era tudo aquilo. Responderam-me então: - Não foi assim em 1961 que os vossos pais fizeram também? Respondi: - Não sou, nem sei desse tempo! - Se não foi o teu, foram outros. Daqui não passam sem ordem. Entretanto retorqui que se a ordem e salvo-conduto, eram pedidos em Vila Nova de Seles, na sede do partido, como é que queriam que eu já a tivesse na minha posse se ainda não tinha chegado a V.N. de Seles. Finalmente reconsideraram e deixaram-nos seguir. Posteriormente e já na posse da tal autorização de circulação passada pelo MPLA/UNITA, lá seguimos por todo aqueles controlos apertados, nas aldeias. Aqui tive consciência que aquele salvo-conduto poderia ser muito perigoso se, em alguma circunstância do percurso o Poder Popular, nem sempre facilmente identificável, fosse de outra cor política, neste caso da FNLA.O meu colega Vilela, já farto de tanto controlo precipitou-se e sem verificar a conotação ideológica do grupo, retira o papel do esconderijo e diz que temos ordem de passar. Fiquei estupefacto … e assustado! Tivemos sorte! Os homens eram da “cor” do documento, eram do MPLA\UNITA. Partimos e recomendei ao Vilela que nunca mais tivesse aquela atitude, pois podiam ser outros disfarçados e nós ficaríamos por ali. Tínhamos que auscultar previamente quem eram e só depois mostraríamos o documento. Nisto, olhei para o Ventura e nem queria acreditar … nem tinha reparado! Tinha vestido uma camisa com o símbolo do MPLA, o que representava um perigo acrescido. Estavam em causa as nossas vidas e em particular a dele, pois não sabíamos quem iríamos encontrar.O bom do Ventura olhando para mim, dando-me razão e não tendo outra alternativa despiu-a e vestiu-a do avesso. Quando chegámos à Vila da Conda, surgiu um problema. O comité não se responsabilizava por nada que nos pudesse acontecer depois do rio Cuvo, porque até ali quem dominava maioritariamente era o MPLA. Para substanciar esta posição, o comité assinou o salvo-conduto como sinal de que terminava ali a responsabilidade pela segurança dos viajantes. A viagem continuaria por nossa conta e risco porque depois das pontes e mais próximo da Gabela a ocupação era feita pela FNLA. A caminho da ponte fomos informados pelo comandante de uma companhia para seguirmos e à entrada da ponte informássemos que tínhamos ordem para continuar a viagem. Juntinho ao primeiro tabuleiro da ponte (ver sinalização na fotografia), vimos um homem deitado no chão, apontando uma metralhadora na nossa direcção. Saímos do jipe e informámos das ordens que havíamos recebido do comandante. Mas a resposta não se fez esperar: - Lá em cima manda o comandante! Aqui mando eu! Não passa, porque lá do outro lado está FNLA. Mostrei o documento assinado. Ele então pega na folha e tenta-a ler, mas de pernas para o ar! E ia repetindo o mesmo: - Não passa! Um soldado que sabia ler e estava junto, endireitou-lhe a folha e apontou-lhe a assinatura e disse: - Ó camarada, está assinada pelo comandante! Já inteirado dos factos e como bom subalterno mandou-nos seguir viagem. Temi este momento de travessia, pensei que as pontes estariam minadas.O objectivo tinha que ser atingido. Depois de ultrapassado o rio prosseguimos sem grandes contratempos, a certa altura deparámo-nos com um cabo de aço atravessado na estrada o que nos faz parar repentinamente, ficando este encostado ao pára-brisas. Nunca vi tanta gente, a sair e saltando do capinzal, cercando os carros. Novamente o Poder Popular. Depois de alguma conversa com o chefe, ele mandou-nos seguir. Não avançámos muitos metros e olhando para trás, verifico que a camioneta que me seguia continuava paradacom o povo de volta dos seus tripulantes. Parei o jipe, saí e fui ver o que se passava. O tema da conversa era novamente sobre os factos de 1961. - Estes foram (referindo-se ao camionista e mecânicos negros) os que avisaram os brancos dos ataques, agora estão a roubar o nosso dinheiro conduzindo os carros e nós aqui nos campos a trabalhar para eles! Dirigindo-me ao que estava a incentivá-los à vingança, disse-lhe: - Então amigo, tens filhos? Onde estão?- Sim, tenho! Estão na escola. Eu sabia que a CADA Amboim tinha escola primária na propriedade próximo daquele local. - Para quê? - - Para ter uma vida melhor que a minha. - Foi o que os pais destes camaradas fizeram. - Então tu depois vais maltratar os teus filhos e tirarlhes o seu ordenado só porque estudaram Estes camaradas estudaram. O camionista tirou a carta de condução e os outros são mecânicos.Olharam uns para os outros e em dialectos quimbundo disseram "AKA…AKA” “o branco tem razão”. Deixaram-nos partir. Seguimos viagem e chegámos salvos. Como podemos constatar, se eu não tivesse vindo na frente não sei se teríamos chegado ao fim da viagem sem outras consequências. Eram piores os confrontos entre eles, negros, do que connosco, brancos e colonos.Estou a ver, como se fosse hoje, o Sr. Eng. Corte Real, o meu pai e o homem da rádio TSF, à minha espera nas escadas dos escritórios da Boa Entrada. Foi entretanto feita a entrega do jipe, na garagem dos ligeiros. Despedimo-nos, eu e meu pai, do Sr. Eng. Corte Real e do homem da rádio - o Leonel, agradecendo. Entretanto reparei que o meu pai apresentava contusões na face, os olhos inchados e os pulsos com vergões negros. Contou-me então que tinha sido acorrentado, na nossa propriedade, molestado e espancado pelo Poder Popular/MPLA, porque se tinha recusado a entregar as armas de caça. A minha mãe ainda levou uma coronhada que a deixou desmaiada. Os nossos afilhados então reanimaram-na e aconselharam-na a entregar as armas, uma carabina 375 de cinco balas e uma caçadeira. Depois de as recolherem, verificaram, pela lista de registo de armas com o carimbo do governo provincial, ainda Português, que faltava a arma que o meu pai me tinha oferecido, uma caçadeira. Aí o meu pai disse que a mesma estava em meu poder, o que na realidade, não acontecia. Seguiu-se no dia seguinte o êxodo da população branca angolana e mestiça, da Gabela para Nova Lisboa (hoje Huambo) em coluna de viaturas. Soubemos posteriormente que, quando o primeiro carro da coluna estava a chegar à vila de Quibala, que distava da Gabela 70km, saía o último carro da Gabela. Obs -Em baixo na fotografia Retirada da Gabela. A nossa carrinha (o veículo assinalado nesta fotografia) que eu conduzia e a minha mãe ia ao lado. O meu pai, a pedido do dono da firma Rocha e Coelho, ia a conduzir um camião cisterna com combustível (o oitavo veículo que se observa na foto). A minha irmã ia com o Sr. Pouseiro. A partir daqui não sabíamos o que nos esperava. O destino era Nova Lisboa (Huambo) a uma distância de 360 Km. Tínhamos aí um aeroporto internacional.Foi o meu ultimo dia em terras do Quanza Sul. Meu pai depois de embarcarmos para Lisboa regressou à Cada tendo aí permanecido até á década de oitenta Um testemunho de - José António Marques DE: José Marques "Crónicas da CADA" Esta foi a 16ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC
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O INICIO DO FIM DA C.A.D.A. Por José António Marques
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Início do Fim da C.A.D.A.
Movimento Sindical – Greve tudo mudava depois de 74 uma breve história . Por esta altura 1974 em Angola e na CADA começaram a surgir os primeiros movimentos sindicais.Os trabalhadores rurais, grupo maioritário na empresa, reivindicaram para todos os trabalhadores protecção sindicalista, melhores vencimentos e regalias sociais para todos, férias e respectivo subsídio. A minoria dos trabalhadores, que incluía operários técnicos, onde me inseria, motoristas e empregados de escritório, com receio de represálias e solidários com as reivindicações aderiu ao movimento. Foi eleita uma comissão de trabalhadores, cuja aprovação era de “punho no ar”. O poder popular começou aqui a dar os primeiros passos. A comissão de trabalhadores, então formada, anunciou uma greve geral de 3 dias que se veio a realizar.O que mais me marcou e pela negativa, foi o facto dos funcionários que tinham carro e que se deslocavam nos mesmos para os locais dos comícios, tinham que transportar os restantes “camaradas”.A primeira vez que me desloquei a um comício, com a carrinha de caixa aberta do meu pai, fiquei estupefacto com a quantidade de pessoas que subiram para a carroçaria da carrinha, ao ponto deela nem poder arrancar porque com o peso as rodas ficaram presas aos guarda-lamas e com a agravante de gritarem: “O carro é do povo! O povo é quem mais ordena!”.Na altura tive de sair do carro e aconselhar alguns a sair da carroçaria, até eu achar que o carro não teria o peso em excesso. Foi difícil convencê-los mas… não podia ser de outra forma.Esta situação não se repetiu pois quem tinha carros deixou de os usar para tal fim. Por incrível que pareça os trabalhadores irritados com a atitude dos donos dos carros gritavam agora um novo slogan: “quando vier a igualdade, nós é que escolhemos os carros”.Um povo ávido de liberdade, mal politizado, a quem se abriram as portas para um novo Mundo mas sem saberem como agarrar a igualdade em liberdade.Estes movimentos políticos tiveram importância na modificação social e económica para a construção da sociedade actual.Com a nomeação e o reconhecimento do Alto-comissário para Angola, com a entrada dos partidos armados por todo o território, com o desarmamento da população civil branca das armas de caça (caçadeiras e carabinas), instalou-se o caos, a insegurança e o medo.Em Agosto de 1975 na região do Amboim, até então sem muitos episódios para relatar, começava a ficar na história pelos piores motivos. Conto aqui a minha última viagem, que decorreu entre a roça Monte Alto da então CADA, que relembro com tristeza e angústia. Saí da Boa Entrada às 9 horas da manhã no jipe Land-Rover transportando um gerador, para substituir pelo avariado na roça Monte Alto perto de Vila Nova de Seles. Era meu acompanhante e colega electricista, o Ventura.No desvio da estrada, isto perto de Giraul, fomos mandados parar por guerrilheiros da UNITA e MPLA. Saímos do jipe, pediram-me as chaves do carro para a revista. Não acedi na entrega das chaves, alegando que o carro não era meu e que me tinha sido confiado para me deslocar à propriedade da Companhia para reparação ou substituição do referido gerador.Compreenderam a situação mas aproveitaram para pedir dinheiro para tabaco, o qual também neguei. Mostrei só os 20 Angolares que levava comigo e que seriam para a minha alimentação e do ajudante. Foram novamente compreensíveis e deixaram-nos continuar a viagem até Monte Alto.Mudámos entretanto o gerador e como já era noite o Sr. Dias, o administrador da propriedade, aconselhou-me a seguir só no dia seguinte, pois não era seguro fazer a viagem de regresso. Nessa mesma noite fomos sobressaltados pelo então Poder Popular, em busca de gente que estaria por ali e que poderia ser de outros partidos (FNLA) que não os deles (UNITA e MPLA).No dia seguinte recebemos por via TSF, por P19 (Rádio de comunicação entre a sede e as propriedades) uma ordem da Boa Entrada que não podíamos partir. Não me lembro se foram mais dois ou três dias que ali tivemos que permanecer. Por fim nova TSF (Telefone Sem Fios), este já de meu pai que também era funcionário da CADA, dizendo para seguir de qualquer maneira pois era necessário na Boa Entrada.Juntou-se a nós no Jipe, o colega de infância e de escola, Vilela. Nesta altura, o Vilela era militante do MPLA e ia para a Boa Entrada.Estava na Roça também um camionista africano negro (não me recordo do nome), que estava a fazer o transporte da colheita de café e dois mecânicos negros, que tinham ido com ele fazer uma reparação e que seguiram nesta viagem. Pediram-me para seguir na sua dianteira mas neguei-me e ainda bem... Verão depois porquê! Nesta altura as posições das várias facções políticas iam demarcando regiões que dominavam.A certa altura o primeiro controlo do Poder Popular entre a roça Monte Alto e Vila Nova de Seles. Saída para fora dos carros… inspecção aos carros… e apalpadela pelo corpo para ver se tínhamos armas. Eis que nas minhas calças, no bolso de trás um objecto que lhes pareceu uma navalha e … lá fiquei com um sabre encostado ao pescoço. Esticado o mais possível nas pontas dos pés, pois a faca, já estava a picar, desapertei o botão do bolso da calça e gritando que era só um pente... Que sufoco! Só vendo, acreditariam.Perguntei de seguida para que era tudo aquilo. Responderam-me então: - Não foi assim em 1961 que os vossos pais fizeram também? ( Continua na 16 ª Edição deste folhetim " Crónicas da C.A.D.A.") De- José António Marques Obs -Esta história é veridica.
“Este meio de comunicação TSF por P19 é o mesmo método usado pelos telemóveis actualmente. Usava a frequência de banda para comunicação e as ondas electromagnéticas”.
De- José António Marques "Crónicas da CADA" Esta foi a 15 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC
"CRÓNICAS DA C.A.D.A. "
O INICIO DO FIM DA C.A.D.A. Por José António Marques Fazenda Capôlo no inicio... "CRÓNICAS DA C.A.D.A." = FAZENDA CAPÔLO =10ª EDIÇÃO CAPÔLO Administrativamente a Longanhia estava na sujeição ao Posta Administrativo de Capôlo e esta terrinha tão minúscula, de uma vez que lá fui não vi mais que meia dúzia de casas. E porque fomos lá? Era Administrador um senhor, melhor dizendo, um rapaz de figura agradável, de constituição bem formada e que vivia lá com a sua esposa, uma mulher também jovem e bonita, com um casamento bastante recente. Acontece que num certo dia recebemos mensagem já não sei se por mensageiro se por rádio de que a esposa teria tido um bebé mas que lhes parecia que tinha um defeito físico bem visível para eles na parte mais baixa da coluna. A esposa chorava e o pai ansiava para que fôssemos sossegá-los. Eu não sei mas para lá o caminho seria difícil e extenuante e recordo que naquela altura talvez impossível por carro porque o rio Longanhia estava numa enchente das maiores recordadas que tornava impossível ver o seu curso. Telegrafou-se para o médico e este respondeu o óbvio: seria difícil chegar lá e depressa já que estradas não as havia com tanta água. Se tivesse possibilidades de lá ir depois o informaria. E assim foi. Estudada a melhor solução, concluiu-se que seria por barco a melhor e única. Chamado o Sr. Abreu perguntou-se-lhe se conseguia orientar-se e ele disse que sim, sem hesitação. Rebocador a trabalhar. A bordo eu mais o Chefe da Fazenda, um ajudante e o mestre em navegação. Mal saímos e vejo que o rio era um autentico mar em toda a vista. O que se destacava da água eram algumas copas de árvores em especial palmeiras. Confesso que não me senti muito seguro mas a troca de informações de rumo entre timoneiro e ajudante iam- nos levando numa viajem sem precalços. Parece que aquele mar de água tinha para eles balizas de orientação. Já me não lembra quantas horas demorámos mas creio que entre a chegada e a hora de almoço muito pouco distou. Atracámos e com os cumprimentos de alívio notava-se a preocupação e ânsia no pai. Fomos ver o bébé que teria três a quatro dias era uma bela criança, mas ao verificar a lesão sem o afirmar disse-lhe que se tratava de uma espinha bífida com fístula que já drenava pus pelo que estaria infectada. Não disse muito mais com receio de errar mas fui dizendo que pelo que sabia o caso não seria assim tão fácil de resolver. O melhor seria vir connosco e ir-se-ia tratar de contactar o médico e acreditava que teria de seguir ou para o Hospital de Estado ou para o nosso Hospital Central. Não aceitaram e pediram para contactar o médico dizer-lhe algo por rádio e eles iriam procurar alguma solução na Saúde Estatal. O nosso médico confirmou-me o que eu tinha pensado ser do caso, e quando consegui contacto com eles dera-me a notícia de que o bébé os teria já deixado. Não estranhei mas senti qual deveria ser o sofrimento daqueles pais, casados de fresco, novos, isolados e verem-se assim despojados do primeiro filho, um rapaz. A viajem de regresso foi ainda mais lenta pela corrente que se fazia sentir mas foi bela porque ainda vimos o sol no seu ocaso fazendo cores que se reflectiam como figuras naquela imensidão de águas. Faro 2007 De Augusto Rebola AVISO - Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC. Igreja na Jamba em 2005,não sei se tratará da mesma que o autor se refere,mas tomei a liberdade de escolher esta foto,por ser da Jamba e ter sido a única que encontrei em pesquisa que fiz.... A Missão Quando nos dirigíamos de Jamba a Vila Artur de Paiva também Vila da Ponte deparávamo-nos á esquerda com uma estrada bem cuidada que nos levava a uma Missão. Era então conhecida pela Missão do Padre Martinho, um Sacerdote Católico de origem holandesa que de há muitos anos se tinha radicado em Angola onde não só pregava a sua doutrina como a exercia em proveito das crianças abandonadas ou órfãs com um outro Padre mas espanhol de nome António e várias Irmãs freiras e leigos lhes tratavam da alma e do corpo não só enfermo mas necessitado de alimento e instrução. Eu creio que tinha á volta de cem crianças de ambos os sexos. Eram duas boas almas mas o padre fundador tinha um cariz especial no contacto e na sua pronuncia que nos fazia gerar uma grande empatia. Eu e minha família éramos bem aceites na sua casa pois que necessidades de saúde que eu lhes pudesse resolver era consultado e tinha mão livre para actuar pois aos domingos o P. Martinho ia á Jamba e não sei se Tchamutete para celebrar a comunhão dominical e sempre nos encontrávamos e falávamos não só porque eu era assistente àquela celebração como também ensaiava e cantava com o coro da Capela. Além do mais o próprio Martinho também necessitava muito dos meus cuidados pois era padecente de uma doença que em Angola grassava muito e ainda hoje, a tuberculose. Era um homem que trazia consigo sempre a sua espingarda e conta-se que um dia, ele confirmou-mo mas sem delongas, celebrando numa capela de sanzala avistou ao fundo um animal de grande porte. Então, interrompe a missa, despe alguma da sua indumentária de Celebrante, mata o animal e oferece-o àquela comunidade. Era um homem dotado de bom coração, grande capacidade de trabalho e sacrifício e que fazia tudo para os outros além de ter um cultura fascinante colheu, diziam, uma formatura em Arquitectura ou Engenharia que o colocava em boa posição de técnico. Então, além do edifício de construção simples onde acolhia os seus protegidos ele mostrava os seus dotes de arquitectura em vários temas. Tinha numa corrente de água que atravessava os seus terrenos uma pequena central geradora de electricidade entre outras coisas. Mas o que mais valor visível deu àquele Homem foi o projecto e construção de uma autentica Catedral desenhada e de construção orientada por ele que quer na arquitectura da construção quer paisagística dava um ar belo e majestoso àquela obra feita em tijolo vermelho de alto abaixo e deixado na sua cor natural bem como nos vitrais que também se dizia de sua escolha que formavam um conjunto deslumbrante e feliz. Bem iluminada naturalmente era possuída de um ambiente sonoro que não distorcia os sons emanados pelo coro e som de órgão, onde eu fazia sempre que lá ia soar alguma melodia por vezes profana até, mas sim os congregava numa acústica digna do Catedral. Os bancos eram corridos e de madeira forte e cada um dotado de um genuflexório á maneira das grandes Catedrais Eu voltei há poucos anos á Jamba e não quis deixar de procurar essa Missão que tanto me impressionou. E o termo procurar é propositado pois nem os entendidos naqueles caminhos conseguiram adivinhar a estrada, agora picada “invisível”, que nos levaria lá não sem ter de andar-mos á procura por mais de uma manobra mas mesmo assim não o conseguindo não fosse a ajuda de um viandante que pertenceria aquela zona e que nos acompanhou. E lá estava imponente a Catedral mas com a tristeza não só do abandono mas também de alguma destruição, emoldurada não de terreno cuidado mas de extenso e bem crescido capinzal. Entrámos. Pelos vidros ausentes das portas os pardais entraram, saíram e deixaram apenas as suas marcas costumeiras sem lhes importar que ali foi casa de Oração. Os bancos insensíveis á nossa presença lá estavam alinhados mas sem marcas de quem os usasse há muito, muito tempo. A Pia Batismal lá permanecia mas semi-destruída. O órgão mostrava ainda as suas teclas amarelecidas e desalinhadas como se fossem os dentes de um Adamastor desalinhados e amarelecidos pelas tempestades. Tentei extrair-lhe um som, um gemido mas a sua alma tinha-o abandonado. Então eu arrepiado e nostálgico e com algum outro sentimento puxo da minha voz não atraente e desalinhada um canto de -Te Deum laudamos / Te Dominum confitemur / Te eternum Patri / omnis terra veneratur /Tibi omnes Angeli,Tibi querubim et Serafim / Incessabile voce proclamant, que ecoou por toda a Catedral como em tempos idos, E não sei se alguma lágrima me molhou a face pois meus colegas olharam-me duma maneira de surpreendidos mas respeitaram o meu sentir, Obrigado e tenho isso gravado para memória,,, Ao fundo e por traz do altar - mor e pregado ainda na parede, o Cristo que era o mesmo que eu conheci numa escultura rústica de sanzala para quem ainda tive tempo de dizer que se eu fosse ele teria já abandonado aquele lugar e ido embora dali, e disse-lho em alta voz mas Ele desinteressado nem me ouviu ou fingiu não ouvir como se lá para Ele pensasse aqui sinto-me bem melhor que no Calvário entre os homens… Talvez! Não tive mais palavras, memorizei uma prece pelo seu Fundador e lá fomos até Vila da Ponte para assistir a mais uma decepção. De - Augusto Rebola AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC NOITE DE ESTRELAS Faz muitos anos…Mas o tempo traz-nos á memória coisa que teríamos há por esquecidas se não perdidas, mas que relembradas acabam por nos fazer encher de satisfação pelo que lembramos e por pensarmos quanto o nosso cérebro é complexo, belamente fabricado e tão bem estruturado.Depois de ter assentado no meu primeiro poiso em terras do Amboím mais propriamente na Gabela fui cada vez mais me entranhando e tentando conhecer, apreciar, juntar e valorizar aquela vastidão calmo de cafeeiros que quer quando a sua cobertura era verde na folhagem e no bago de café ainda verde, quer quando os bagos se tornavam cerejas avermelhadas dava diferentes aspectos mas sem conseguir acentuar mais este ou aquele.O café necessita de muito sol mas também de muita humidade, características que não faltavam naquelas terras mas uma outra necessidade era essencial ser satisfeita: a sombra era-lhe indispensável e então agora pensem numa extensão tão colorida coberta de chapéus naturais de grande circunferência que lhes proporcionava sombra necessária e que eram feitos de umas árvores de grande porte a maior delas chamadas de mulembas.Que beleza de espectáculo!Imaginem também que nessas árvores também se abrigavam e alimentavam as rolas e os pombos verdes que eram de porte mais robusto e muito velozes e que com pressão de ar serviam de caça também para quem gostasse, claro.Já também com alguns conhecimentos de maleitas tropicais quando me é anunciada a minha transferência mas desta vez para um panorama diferente.Tratava-se de exploração pela mesma Companhia – Companhia Angolana de Agricultura –C.A.D.A. , mas na vez de café eram palmeiras que se tratava numa terra a que o abraço de dois rios com casamento, o Longa e o Nhia se transformaram em um dando o nome àquela Fazenda -Longa Nhia.Numa viagem sobre a qual já escrevi acabamos por entrar palmar adentro e que outro espectáculo o de extensões impensáveis de palmeiras de uma qualidade que dos frutos carnudos e de tamanho de tangerinas se extraía o óleo de palma ou seja o azeite de Angola que de saboroso para qualquer cozinhado servia. Já falei nele, na sua textura e no seu magnífico sabor. Ainda hoje o usamos em especial na Moamba, prato especial daquele País.Era um outro espectáculo visto e vivido debaixo de um sol uma alegria, e era tal que fazia com que se necessitasse de um horário especial : começar cedo o trabalho, interrompe-lo pela hora do almoço e recomeçá-lo á tardinha.Era um paraíso mas bem quente…Aí tive a indescritível alegria de ver nascer o meu primeiro rebento, uma Menina, a Fátima que fez quatrocentos quilómetros para nascer e voltar em estrada de picada*- e camioneta de carga.Valente Miúda e Mãe!Numa noite em que talvez o contentamento me induziu a insónia, vou até á pequena varanda fronteira á casa e aí numa cadeira de mangonha – o mesmo que de preguiça, e contemplando o céu inundado de um imenso e belo luar, pensando e gozando mais o acontecimento, reparo que no céu corre um rasto de luz e depois outro que deixavam uma pequena estrada de nuvem que logo se desfazia.Encantado pensei na grandeza de Deus e da Natureza. Mas logo a seguir recorre uma autentica chuva daquelas estrelas que não propriamente me atemorizou mas me causou tal espanto que pasmei, admirei e fiz augúrios bons para a minha filha e família. Estávamos então no fim do mês de Agosto e relembrei o pouco que na escola aprendi sobre estrelas cadentes ou chuva de estrelas e lá consegui relacionar o fenómeno pela primeira vez visto por mim com tal intensidade. Alguns anos passaram…Os tempos mudaram e o meu local de trabalho já não era o mesmo. Estava a muitos quilómetros de distância – cerca de 900, e na Companhia Mineira na Jamba.A guerra começou a instalar-se com pequenos episódios depois dos primeiros Comícios dos vários Partidos Políticos por todo o País em várias línguas incompreensíveis, quase, para nós e a instabilidade foi retomando o lugar da calma prejudicando o trabalho e o viver.Com o matraquear das armas apercebemo-nos de que tudo iria mudar. A desconfiança nas pessoas e a aparição de guerrilheiros nas ruas que facilmente apontavam as armas a quase tudo o que mexia, que o faziam em especial aos “brancos” causava uma sensação de medo e incertezas que nos deixavam perceber que segurança era palavra ali perdida.Muitas noites passei mudando de casa para casa, não para dormir mas para tentar diminuir o risco e no ar também via uma “chuva de estrelas” que lembrei nada tinha a ver com a de 1960.Aqueles rastos atroadores e luminosos iam sim em direcção ao alvo mas para matar, para espalhar a tragédia.Para quê? Para eliminar aqueles que foram obrigados a lutar contra seus irmãos para garantir ou tentar obter a supremacia do poder para o oferecer a quem os enviou para o corredor da morte. No fim nem um agradecimento e nem sequer uma mudança de vida para melhor.Afinal as luzes nos céus nem sempre são chuvas de estrelas belas e benignas mas podem ser sinais de morte e de ódio.Já contemplei ambas em 1960 e em 1974, para mim o ano da Vida e o ano da Morte respectivamente… De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 14ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC O Senhor “Administrador” de Fazenda A Fazenda Longa-Nhia era formada por extensas plantações de palmeiras de cujo fruto, as sementes massudas feitas em cacho, se extraía entre outros o Óleo de Palma. Este seria là o que foi e era para nós em Portugal, o azeite de oliveira talvez até com propriedades acrescidas. A textura mais consistente que a do azeite, e o gosto que dava aos cozinhados era superior e excelente. Uma boa “moamba de galinha” ou um bom “ calulú de peixe” sobressai a qualquer prato quer de lá ou de cá e quem não gosta á primeira não necessita teimar muito ou ter pressa para ficar rendido ao gosto tropical destes prazeres da gula. Num certo ano pelos meados da década de 60, um senhor … que geria os trabalhos de uma Feitoria das que formavam a fazenda, a Candumbo, venceu pelos seus anos de trabalho e permanência um direito a que chamávamos de Licença Graciosa. Era isso um tempo de licença para férias que por opção poderia ser gozado na Metrópole-Portugal (o Puto), com viagens e vencimentos pagos pela Empresa em regra feitas por mar, mas nuns luxuosos paquetes de que na altura o nosso país dispunha e em número considerável. O avião estava reservado para as esferas superiores de direcção porque mais caro e com menos tráfego. Geralmente e conforme a categoria sucedia esta graça de 4 em 4 anos, mas havia mais e menos espaçada. Eis então o Pereira* de malas aviadas rumo ao puto, como então se usava dizer, virado para as suas terras de norte, penso eu, onde chegou cheio de vontade e energia para se fazer notar ao que constava quer pela sua conversa fluida dilatando os poderes que em África possuía, quer pela demonstração de uma boa quantidade de dinheiro que do bolso generosamente lhe saía, quer lançando para o ar e para os presentes o seu forjado nome de administrador. Solteiro e ainda vivendo solitário no seu restrito mundo deitou o Olhar a uma senhora Professora primária que se deixou embaciar pelas aparências e vai de se “ apaixonar “,se é que a paixão existiu, por quem na sua Feitoria lhe foi prometendo o melhor: um pequeno reinado. Ele vivia então a 16 quilómetros da Sede apenas com mais um europeu seu colaborador numa casa coberta de colmo e onde os restantes habitantes eram todos nativos e trabalhadores braçais que viviam com seus familiares nas sanzalas vizinhas e no meio do mato. Então e segundo se dizia a Snrª Professora teria tido com engodo a promessa de que, além de dinheiro e uma vida folgada, poderia leccionar pois alunos ali não lhe faltariam para letrar. E vai de se unir, não sei se logo em Portugal se foi ter com ele casada por procuração com então se usava. De paquete até Luanda e tudo estaria conforme com todas as esperanças que levavam todos aqueles que se metiam a caminho daquelas terras. Em Luanda foi-lhe mostrada uma cidade deslumbrante que só custará a acreditar a quem nunca teve o privilégio de a ver, e que a deixou maravilhada. Era de facto uma cidade Princesa implantada numa rainha que era Angola e em África. A Lolinha*, assim se passou a chamar, era uma pessoa de feição graciosa e de tez muito mimosa e clara, ligeiramente ebúrnea, meiga, bem falante, cordata e conversadora de quem passou a ser difícil desprendermo-nos sem um certo sentimento de comiseração, impossibilidade e revolta tudo ao mesmo tempo, enquanto seu marido nos dava o desejo de dele nos separamos pois que o seu discurso oco nos deixava a saber que depois de falar meia hora ainda nada tivera dito que se aproveitasse, literalmente. Tentou a Senhora Professora adaptar-se ao novo e estranho meio fazendo por valer as suas qualidades de docente mas viu que a demora nos resultados era longa demais. Não havia educandos, nem escola. E depois tudo se agravou quando veio a saber que filhos já dificilmente os teria e então vai de começar a ter crises de melancolia, manifestações de desespero, culpabilidade do marido que a teria enganado, dizia, e dela própria que se teria deixado cair no engano e por tudo isso, chegava a ter crises que rimavam com histeria. Então quando estas aconteciam lá ia um emissário chamar socorros de saúde. De início um calmante, parecia o ideal. Mas cedo verifiquei que umas palavras, uma conversa mais íntima resolviam o que os medicamentos teriam dificuldade de fazer. Era daí que o chamar-me com muita frequência me levava já a ter dificuldades em satisfazer aqueles tantos pedidos de assistência, pois que a viagem por vezes era desastrosa e algo penosa. Mas a Senhora fazia-me tantas confidências e lamúrias que me custava deixá-la assim abandonada já que compreensão da situação pelo seu marido não a havia, pois que para ele aquilo era a melhor vida e a sua Lolinha é que era piegas porque “nada lhe falta”, dizia... Numa das solicitações á minha ida parecia-nos impossível a deslocação pelas chuvas, mas tentei escarranchar-me no capôt de um tractor e a muito custo lá cheguei com as partes de assento quase tostadas pelo calor da máquina e dos solavancos Numa certa noite chega-nos um mensageiro com a noticia de que “si lá não ia depressa a sinhôla ia mesmo morer. tava mesmo male. Sô Fermero vem dipressa mesmo” (sic)... Mas como? Tempo de chuvas torrenciais tudo quase intransitável e era meia-noite e o caminho era povoado por toda a bicharada de alto porte desde a onça, á pacaça e ao elefante? Também eu tinha medo além do mais... Mas um rapazinho nosso colega de trabalho embora administrativo, propôs que na moto dele uma 125 apenas, depressa chegaríamos lá Mas isso ainda é loucura maior. Mas de momento, fez-se-me luz e lembrei-me que o que ele queria era estar alguns momentos em casa da amada na outra dependência onde teríamos de passar. E não resisti. Tá bem, vamos. Passámos em casa da menina primeiro e obrigatoriamente, e o papá foi ajudar-nos a passar numa jangada manual o rio Nhia Seriam 2 horas da madrugada. A felicidade que vi no rostito de ambos fez esquecer toda a ensombração da viagem, e se até aí a moto andou bem, para lá, ainda fez melhor não fôsse a certa altura ela se negar a subir uma encosta . Então desço, poiso a mala e vai de empurrar. Volto a pegar a malinha, monto e vai de andar. Aí não ganhei para o susto quando oiço um restolho enorme entre as palmeiras mas ele disse-me que eram bandos de galinhas do mato. Só que passado pouco tempo oiço umas trombetas com um som muito estridente e aí não necessitei de explicação: eram mesmo elefantes só que bastante longe... Resolvido o apoio psicológico voltámos ainda escuro e a atravessar novamente o rio de jangada. Já na outra margem enquanto se prendia o aparelho flutuante, começo a sentir picadas que me iam subindo cada vez mais pernas acima. Queixei-me: oh! é kissonde, disseram logo, o que queria significar que estava a ser mordido por umas formigas grandes, carnívoras, que, quando ferravam se as puxássemos pelo abdómen ele se separava da cabeça. Quando pegavam qualquer animal ou insecto apenas lhe sobrava o esqueleto, se fosse duro. Então lá em casa despi-me todo e á luz ainda dum candeeiro a petróleo, fomos, repito, fomos tirando uma a uma todas as malvadas que tiveram a ousadia mas se calhar o prazer também de me ferrar já em zonas que o decoro me impede de referir aqui... A vida em Angola tinha muito destas coisas. E era bela. Para mim todas foram maravilha..... *nomes fictícios De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 13 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC Ainda na Monte Belo Corria o ano de 60 e da Longa nhia passámos para a Roça Monte Belo que se situava mesmo no oposto daquela. Entre uma e outra deveriam distar mais de 300 quilómetros. Aqui o café era vicejante e a perder de vista em extensão até porque devido ás irregularidades do terreno desenhado em alguns, montes o horizonte visual era curto. As bananeiras e os abacaxis e ananases em qualquer lado os encontrávamos e tínhamos a liberdade de os colher e consumir. Era como já disse uma roça tranquila onde diversos cursos de água se deixavam ver e ouvir correr numa mansidão e leveza espectaculares. Nas sanzalas á volta e em especial num dos morros que a circundavam era quase certo que todos e todo o fim de semana desde sexta ao anoitecer até á madrugada de segunda feira ouvir-se o som do batuque e dos instrumentos gentílicos que se juntavam aos cantares marcando o ritmo dos corpos no gingar daqueles ritmos africanos tão contagiantes dos quais destaco o merengue. E como o monte ficava sobranceiro á roça e esta tinha um enorme terreiro onde era secados os bagos de café e as nossas residências estavam dispostas á volta ou próximas dele, imaginem que toda a noite e dia ouvíamos e sentíamos aqueles ritmos quase com se estivessem junto de nós. Já a paz estava toldada pelos acontecimentos do norte de Angola a que já me referi e numa certa noite fomos acordados por indivíduos que estavam alerta, porque dum certo lugar no meio do capim de espaço a espaço se via acender um clarão que morria em curto tempo de segundos. O medo imperava e naquele local situava-se a casas e o quimbo de um dos guardas do terreiro e pensou-se que tivesse “visitas” inconvenientes na situação. Conjecturava-se com se fazer, ir lá, não ir, aguardar, disparar para amedrontar, que fazer? Assentou-se que com mil cuidados rastejando entre capim e cafeeiros fazer a aproximação pois que os nervos já estavam a ficar alterados, mas quem havia de ir? Ninguém se aprontava até que um dos presentes disse que iria mas com outro acompanhante. Tudo se calou, eu também esperei voluntário mas ninguém falou e então, não sendo eu muito corajoso pois que preso mais ser covarde vivo que um herói morto, lá me ofereci e outro contagiado disse sim e fomos. Demorámos algum tempo com todas as cautelas e chegando perto do local não se observava barulho ou movimento suspeito, a não ser a luz que continuava a relampejar. Então ainda encobertos chamámos: -ò guarda? Ele respondeu e nós avançámos até ele e perguntámos o que se passava e quem fazia aquela luz. - Eh, patrão, o bissonde está atacar os meus garinhas e eu estou fazendo fogo co capim. Estava deslindado o segredo daquela luz e fomo-nos deitar. De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 12 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC A CAÇADA Quem me sabe dizer o que é um nunce? Agora muitos saberão mas eu não sabia antes de chegar àquelas paragens angolanas. È um animal de porte imponente, de uma corrida veloz e de uma atenção ao que o rodeia fora do vulgar. É parecido a uma cabrinha de mato ou nossas só que terá o dobro do tamanho e uns corninhos não muito grandes mas que parecem bem fortes como os de um qualquer daqueles animais que se preze de os ter. Um certo dia ou melhor, numa certa noite uns quatro caçadores resolveram ir á caça e convidaram-me. Fui como espectador, como sempre. Então num geep pertencente a uma Companhia produtora de algodão que era uma das produções em massa daquela região lá partimos ao anoitecer. Noite bela, de luar claro como só ali vi e que nos encantava porque nos talhava silhuetas que muitas vezes nos deslumbravam mas não passavam de miragens ou construções de luz e escuridão e reflexos. Andámos, andámos e nada de caça maior, até que num pântano muito próximo vi uma quantidade de luzinhas pequeninas a olhar para o nosso farol. -O que é aquilo, sussurrei? -São hipopótamos diz-me o vizinho. Eu hoje penso que deveria ficar cheio de medo mas não o mostrei e nem me lembro. Se calhar, não. Virámos mais uma volta e na chapa do geep ouvia um bater de pedras mas que não parecia de pedras. Soube então que se tratava das sementes do algodão que se criam numa massaroca no cimo e aos lados do caule da planta. De súbito o motorista acelera e desata numa correria quase louca e aos ziguezagues que me pôs os cabelos em pé. -O que foi? È que tinham avistado o tal nunce que numa correria louca fugia e saltava em curvas e contracurvas sem se deixar ver bem. Num momento parámos e consegui á luz do farol vê-lo elegante e parado a olhar-nos. Aponta-lhe uma arma e ele desata noutra correria e nós vai ir a persegui-lo mas numa velocidade que não imaginam. O carro já tinha umas barras para nos segurarmos a elas senão corríamos o risco de ficar. Mais adiante começaram a entender que estavam a deixar terreno firme para se meterem num lodaçal quase tapado pelo capim mas com água. Já foi difícil sair dali mas o geep com tracção dupla lá nos fez o favor de nos acalmar. Já mais calmos, olho para o lado e pergunto pelo sr Domingos que ia ao nosso lado mas já lá não estava. Conclusão rápida: caiu quando eu arranquei, dizia o motorista-caçador. Se calhar já está morto. Então quem mais podia mais gritava por ele mas a resposta é que não vinha. Ó Domingos! Ó Domingos!!!! E o eco era a única resposta. Não se via bem mas eu creio que houve lágrimas porque até o carro era da Empresa algodoeira e não era para caçar além de a caça nocturna com farolim ser proibida e altamente penalizada. Estivemos muito tempo naquela incerteza, tentámos voltar pelo caminho da ida sem o conseguir já pela noite, já pelo luar que nos enganava, chamávamos constantemente e sem resposta. Até que num dos chamamentos aparece-nos uma voz já perto e dizia: estou aquiiiii …. Bom não queiram saber o que se lhe disse mas ele, um homenzito de metro e meio a rir-se dizia que não havia problema ele via os faróis do carro e estava tranquilo. Santa ingenuidade… Claro que daí ao insulto e promessa de nunca mais ser convidado foi um lapso de conversa. Mas o Domingos tinha ou não caído quando arrancámos? Não senhor, disse ele. Quando vocês pararam eu desci para ir matar o bicho…. Como não eram horas de pequeno-almoço que em Angola era o chamado mata-bicho, percebemos logo que o que queria era mesmo matar o nunce. Mas como aquele animal espertalhão se calhar não havia lá muitos e escapou-se não sem nos deixar quase metidos no pântano donde tivemos alguma dificuldade em sair. Para casa nada trouxemos mais do que aquele susto e a consolação de todos terem regressado. Era uma terra tão cheia de vida animal que recordo ter visto sair de um terreno queimado um tal bando de rolas que ao passar por cima de nós fez desaparecer momentaneamente o Sol. Que saudades da Longanhia!!! De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 11ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC ROÇA MONTE BELO Era uma Roça onde se cultivava o café que creio era a maior pertencente á CADA e diziam dela ser a maior produtora do mundo comparando-a geograficamente. Era lindo o ambiente dos cafezais que eram plantas muito verdes pouco superiores á estatura de um homem alto e quando davam e cresciam as suas bagas de café, pareciam rosários enormes porque as bagas nasciam e cresciam coladas aos troncos dos ramos das plantas dando uma beleza singela mas diferente ou talvez por isso, singela. Mas depois vinha a fase do amadurecimento em que as bagas começavam a tornar-se vermelhas e quando atingiam o auge desta cor, então imaginem porque eu não sou capaz de explicar tanta beleza!!! Era uma mistura de verde, de troncos acastanhados com as suas lágrimas pendentes vermelhas de sangue como um céu cheio de estrelas. Tinha fábrica própria de descasque, escolha já semiautomática do tamanho dos grãos e separação de impurezas, torrefacção e dali já o café saia pronto a ser usado ou depois lotado ao sabor dos gostos de quem o comercializava. Éramos uma família com preferências mais por um ou por outro, e lembro com saudade um grande amigo, Encarregado da Fábrica, o Fernando da Costa Reis, com quem tinha uma amizade muito cimentada. Ele era um solteirão ( talvez ainda mão) e sentia-se bem na minha família e hoje tenho pena de não conseguir saber o seu paradeiro. Em casa de seu Pai, Encarregado de uma outra Roça, todas as semanas numa mesa comprida posta numa sala ampla dum primeiro andar duma casa de construção colonial, se reunia toda ou quase toda a família que era numerosa que o Pai como bom creio que beirão e pessoa de bom trato tinha com a sua companheira angolana, numerosa família, o snr Costa Reis, mas onde qualquer amigo com qualquer número de outros amigos tinham sempre naquela mesa, lugar e a comida que era sempre tão farta que pensei se não haveria ali no meio de todos sempre algum Cristo a fazer a multiplicação da comida e bebida. Era a Mãe do Fernando! Do Fernando soube que casou e se manteve por lá. Por lá embora a última notícia que me deram não fosse a mais agradável mas deixo-a como não verdadeira. Ali exerci com gosto uma Enfermagem sem médico, ali criei alguns meses a minha Fátima, ali estudei maneiras de passar o tempo aproveitando-o e uma delas foi revelar as minhas próprias fotografias com luz de bateria e numa câmara escura improvisada em casa. A fruta e hortaliças eram - nos oferecidas desde que houvesse na horta da Roça bem como uns quantos quilos de café em grão a que tínhamos direito mensalmente que nem chegávamos a consumir. A casa era igualmente cedida gratuitamente pela CADA. Então bananas, ananases, mangas e outras não faltavam em casa sendo as galinhas as maiores consumidoras do excesso. Em contra partida também se entregavam em troca para nos deliciarem com churrascos que comparados com os de hoje vindo de aviário são como o sair de uma noite escura par uma bela noite de luar. Guardo daquela Roça a tranquilidade que nela se gozava, o mar de bagos de café estendidos ao sol no terreiro para secar e curar constantemente removidos com rodos de madeira para que o tratamento surtisse por igual. O sol era forte mas as chuvas ali eram mais frequentes e acompanhadas por trovoadas que metiam algum receio. O João era o meu Ajudante em Enfermagem de quem ainda hoje conservo 2 livros daquela Especialidade que lhe comprei. Bom rapaz, trabalhador embora adoptasse um ar servil que eu tentei melhorar-lhe. Era gorducho e um pouco acanhado mas tivemos uma relação muito boa. Era o inicio do ano 61 e quando tudo parecia correr tranquilo, num certo dia e de imediato avisados pela própria Companhia para termos cuidados redobrados, soubemos da terrível matança de pretos e brancos, adultos e crianças que num ataque suicida foram terrivelmente flagelados, esquartejados e eliminados pelas terríveis ordas de sanguinários a mando de um traidor estrangeirado cujo nome me repugna escrever aqui. Foi o começo da derrocada. A seguir foram tempos de insegurança, de instabilidade e por que não, de medo. O horror fazia sair das nossas mentes gestos ou atitudes de defesa ao ruído mais estranho levando alguns menos tranquilos a cometer excessos. Nunca poderei esquecer essas horas e os tempos seguintes… Veio a seu tempo a tão desejada e nunca rejeitada por nós, Independência, mas porque tão mal conseguida e tão apressada deu os frutos que deu de trinta anos de guerra, sangue, desespero e miséria. Hoje parece em melhor caminho. Oxalá 2007 De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 9 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC Da Boa Entrada a Monte Belo Da Boa Entrada para a Roça Monte Belo já não consigo lembrar ao certo que distancia havia, mas sem receio de errar muito, seriam cerca, para mais, de uma centena de quilómetros. Já falei dos horríveis acontecimentos de barbárie acontecidos no Norte de Angola em 1961 e que fizeram desmembrar as famílias e tentando nós por mais a salvo mulheres e crianças, optámos todos por deslocá-las para a Boa Entrada que como sede dessa grande Companhia Angolana de Agricultura a CADA, oferecia melhores condições de segurança e para tal nos proporcionou transporte possível e digo possível porque foi feito em camionetas de carga onde se transportava o café Acompanhados de algum choro e muita incerteza lá vimos partir os nossos queridos e recordo que minha filha teria 6 meses de idade. Passadas já algumas semanas as saudades faziam-nos toldar a cabeça por parcas noticias pessoais e politicas e sem sabermos que fazer assim íamos permanecendo na incerteza sobre que fazer e que futuro… Então vivíamos adaptando-nos ao meio já só masculino e na incerteza de com e em quem poderíamos contar e confiar tentávamos inventar “coisas” para superar tudo o que nos faltava. O meu maior entretém era o de fazer e tomar a companhia na fábrica do Fernando Reis pois era a pessoa mais evoluída, educada e estudada ali e com quem apetecia conversar. Rapaz simples de cor morena bronzeada e sempre com um riso pronto a mostrar, era simples e muitas vezes a conversa do Fernando lá fugia para as meninas pois ele era um conquistador que arrasava alguns corações incluindo o da filha do Administrador o Mata-Neve que era um Beirão pouco culto e de dujas conversas não sobrava senão café. Ele gostava do Fernando. Só que a filha tinha amores por ele mas o contrário não existia embora a moça fôsse jeitosona. O Fernando além de excelente amigo e eu era um dos cimeiros na sua lista e adorava o meu rebento punha tudo o que possuía ao dispor dos que mais gostava. Inclusive tinha uma carrinha aberta Bedford onde eu ia relembrando o meu ainda ténue pilotar e um dia que saí cafezais adentro ao fazer uma manobra levo uns cafeeiros de raspão com a traseira. Voltei e enquanto eu contava e mostrava o quanto fiquei chateado o Fernando ria a bom rir dizendo que isso eram louvores para a “menina” (entenda-se, a carrinha) que por ele também estava a isso habituada. E ria, ria… Era um prazer vê-lo sem parar a verificar a secagem do café, o descasque, a separação do bago, a escolha muita dela manual, num ambiente onde reinava o feminino e ouvir a alegria dos cantares que se sobrepunha ao ruído dos motores. O cheiro do café evitava-nos a ingestão dele em bica como agora se usa. Todo o empregado tinha direito entre outros bens da terra a uns quilos de café por casa e por mês. Não íamos muitas vezes buscá-lo pois esse hábito de bica não o havia e parece-se com quem faz bolos ou cozinha e apenas prova do que faz e fica satisfeito. Que prazer era ver o café antes de entrar na fábrica a secar na primeira preparação ao sol em terreiro bem batido para que a terra não se misturasse e ver a todas as horas os trabalhadores com rodos de madeira fazendo risquinhos para lá e para cá, qual tratamento de hoje á relva de um estádio de futebol e debaixo de um sol escaldante que não poupava a queda sobre os bagos de muitos pingos de suor. Será que este lhes dava algum gosto especial? O Fernando um dia levou-nos á Roça em que seu Pai era Feitor o sr. Costa Reis, com convite para almoçar. O Pai era uma pessoa de trato simples que vivia com a Mãe do Fernando, uma Senhora Angolana que lembro de feições finas e comunicável como o marido. Viviam numa casa tipo colonial á semelhança de quase as estruturas habitacionais das outras Roças e parecia haver Paz naquela casa e quando chegámos á sala de refeições que sem querer mentir era no piso superior espanto-me quando vejo uma comprida mesa e muitas cadeiras a preencher espaços. É que o Sr e a Srª Costa raro era o fim de semana que não tinham a mesa preenchida pelos filhos e família, os amigos dos filhos, os amigos dos amigos e quem mais fosse ou não convidado a ir ou aparecesse. Ninguém, disse-me, fica sem lugar nesta mesa e nesta casa. Pensei para comigo se um dia eu seria capaz de fazer igual!!! Sempre perguntei pelo paradeiro do Fernando e um dia alguém me disse mas sem grande certeza que ele teria falecido em tempo de guerra. Quando voltei a Angola perguntei e ninguém soube informar-me pois eu creio que iria á Gabela ou Porto Amboím onde me disseram que ele teria estado a trabalhar só para lhe dar aquele abraço. E assim vivo esperando um dia em que nos encontremos. Deus o queira… Janº 2006 De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 8 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC A Grande Viajem Já por Angola adentro... Corria o ano de 1959 e o mês de Novembro do mesmo ano e uma grande viajem começa com uma estirada de comboio de umas centenas de quilómetros, com alguma comodidade pois até restaurante havia, mas com um calor cada vez mais aumentando de intensidade e luminosidade, até uma pequena Vila chamada Dondo. Uma localidade que embora sem asfalto se via já com desenvolvimento industrial e comercial e cujas ruas de um paralelismo geométrico e largura pouco vulgares parecia já virar-se para o futuro. O Caminho-de-ferro de Luanda rumava a Zenza do Itombe onde tomávamos outra composição que nos levava ao Dondo enquanto aquela seguia para Malange, e que em mercadorias e passageiros tinha um movimento que deixava antever um futuro promissor para aquelas regiões. No Dondo as árvores que ladeavam as ruas eram já gigantes o que para além da sombra que ali era um bem, lhe dava um aspecto de Vila verde e bem cuidada. Nas ruas não se via lixo algum. Ali se pernoitava e se comia em condições para o tempo, bastante razoáveis. Porém daí em diante a coisa mudava: a viajem era feita em camioneta mista de 5 passageiros na cabina e o resto era ocupado por carga e quem queria sujeitar-se, poderia viajar em cima da carga, como a mim me aconteceu. Poderá estranhar-se mas é que o transporte só se realizava ou duas ou três vezes por semana. Havia então que aproveitar pois não se ia para férias. Eram então os homens que se sujeitavam dando mesmo com direito de aquisição, o lugar interior a alguma senhora. O lugar na carga era o que melhor se adaptasse ao jeito e “comodidade” do corpo para se poder bater uma soneca e sem roubar o lugar aos carregadores nativos. E isso era possível, não vão pensar que não. Era-se novo. Á hora de almoço estava-se a passar Calulo, uma Povoação que não teria meia dúzia de casas, encravada em pleno mato, creio que floresta mesmo, que subsistia pelo comércio e alguma pequena Indústria como a de fabrico de sabão. O Comércio era movimentado por troca de artigos das chitacas alguns para serem transformados como o milho e então a troca seria por farinha já moída e peixe seco principais produtos de subsistência nativa, em geral. O sabão existia e era vendido além das bebidas: cerveja e vinho por vezes já meio adulterado talvez, mas que surtia efeitos desejados pelo bebedor e vendedor. O nativo tendo dinheiro para bebida e comida não trabalhava enquanto tudo isso se conjugasse bem. O comércio de Madeiras era ali, creio que muito marcante. Um almoço rápido, carga e descarga de bagagens e a caminho novamente até que ao anoitecer deparávamos com a Quibala, terra também perdida na imensidão interior que subsistia pelos mesmos meios da anterior só que em maior escala pois era atravessada por uma grande via asfaltada e movimentada que ligava Nova Lisboa a Luanda e ao Norte e sul de Angola. E logo se dava conta da existência de um quartel de tropas mistas e creio que também havia um posto de Policia de Segurança Pública. Mal deu claro, para dar uma passeata quer pela hora adiantada, quer pelo cansaço, menos evidente pela juventude, alegria e desejo que então me possuía de chegar á Vila da GABELA, hoje cidade que seria o nosso último transbordo daquele transporte tão sui generis, para um carro já digno desse nome que nos levaria ao final do roteiro, á chamada BOA ENTRADA. Mais uma vez partimos de madrugada e passadas algumas horas, eu penso que quatro ou cinco lá avistávamos e chegávamos á Vila de Gabela, que nos pareceu logo de chegada uma terra agradável e pelo movimento que mostrava via-se alguma vida nas suas ruas embora de terra batida mas bem macadamizada, de dimensões bem largas para o tempo e de alinhamento ordenado. Parámos e não sei mais o que lá fizemos que passado algum tempo lá fomos em jeep descapotável Willis durante sete quilómetros cafezais adentro, com pasmo e admiração por uma beleza de paisagem que não pensava existir no mundo: árvores frondosa que protegiam e alimentavam de sombra e água os cafeeiros. Estes, para quem não conhece são pequenas arvores ou arbustos de altura igual ou pouco superior á de um homem, de porte rectilíneo e folha enervada e muito verde, que com suas bagas carnudas pegadas ao caule e aos ramos, umas vermelhas de sangue, as maduras, outras de cor verde que dão ao conjunto uma imagem singular de beleza, contraste e perfeição como só a natureza pode dar. Foi para onde fui viver e trabalhar. Lá permaneci não muito tempo, cerca de três anos, já não recordo exactamente mas o essencial e indispensável para conhecer e me adaptar ás exigências do novo trabalho que por vezes misturava as raias da Enfermagem com as da Medicina. Com muito estudo, força de vontade e preserverança cedo tomei as rédeas do trabalho, pois a Longanhia esperava-me. Passado esse tempo em camioneta de carga, com a minha mulher grávida da primeira gestação, eis-nos a caminho por estrada sinuosa sem nem cor de asfalto onde os buracos e rilheiras eram mais que a parte plana. Perto de duzentos quilómetros, quase dois dias de viagem com almoço cozinhado na estrada com água que ali corria. Mas isso dá para outra estória. A Longanhia era como já disse, a sede de outras pequenas Feitorias com quatro ou cinco casas de construção gémea e definitiva, um Hospital, um escritório, um armazém e uma grande fábrica de laboração contínua dedicada á transformação de démdém, o fruto da palmeira, em óleo de palma o equivalente ao nosso azeite, embora com gosto e textura diferentes. O gosto, esse sim, é divinal… De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 2ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC PORTO AMBOIM O regresso As Férias em Porto Amboím terminaram, nossa filha crescia e sorria e nós também encantados por tudo tivemos de por ponto final e preparar o regresso. Fomos saber de comboios, o meio mais prático e cómodo para regressar e apontam – nos uma automotorazinha com motor de combustão, gasolina certamente que achei tão airosa. Pareceu-me até imponente mostrando-se sobranceira ao meu olhar como que a justificar que a pequenez que eu lhe atribuía havia de provar que não condizia com o seu comportamento e comodidade. Assim foi. Então, chegada a hora instalámo-nos nos maneirinhos bancos almofadados, soa o apito do Chefe com o seu boné branco e ela cavalos a fundo, arranca mimosamente não sem soltar um buzinito de despedida que foi também o nosso adeus a Porto Amboím. Sol escaldante, era uma tarde bem quente e iluminada e lá fomos anhara fora desta vez sem afrouxar pois talvez até os animais tivessem maior apreço por ela, não lhe atormentando a marcha. E não é que a viajem vinha agradando e não fosse tanto calor que por ali rondaria os 35 graus para mais, diríamos quase perfeita… Nesses anos em Portugal não sei se haveria comboios com muita e maior comodidade. Da rapidez não falamos porque em Angola tudo acontecia a compasso e nada se precipitava pois o tempo estava sempre a nosso favor. Eu até estou na dúvida se ele, o tempo, não parava para nós quando achava que era preciso… Começamos a subir os morros da Gabela e logo aí então ela deu algum sinal de cansaço. O fumo saía mais escuro que da boca de um fumador que se agarra ao último cigarro, mas sinais de fraqueza, nem pensar, Não fazia “pouca terra, pouca terra” mas um ruído de motor cujas entranhas o motorista estivesse a espicaçar. De repente após uma curvazita eis que em plena subida ela pára. E o motivo foi por nos surgir pela frente e deitada em plena linha uma árvore que constatámos era uma molemba, uma árvore frondosa que protegia os cafeeiros. Era tardinha e minha filha primeira, Fátima de nome e gabelense de naturalidade com seus 3 meses de idade, dormia ao colo, indiferente. Saímos a aproveitar a sombra e fazer banco na terra para esperar. O motorista sobe a um poste telefónico com uns ganchos nos pés e um cinturão largo de lona que o segurava nas alturas e com uma pileca de uma aparelhagem na mão, liga dois fios ás linhas dos postes e rodando uma manivela apressadamente, dizia: -Arô, arô, gambera. A montôra está retida na rinha porque tem muremba travessada na rinha e não pode passar e esta quase na noite. – Não pronunciava rrê, mas sim rê. E repetia vezes sem conta aquela mensagem sem que do outro lado viesse resposta. Nos intervalos lá se lastimava, mas de pronto continuava: arô, arô gambera…. Pensava-se em soluções mas quais? Até que passadas talvez horas e já a querer anoitecer aparece rodando na linha vinda da Gabela uma trotinete de apoio movida a braços com três homens e respectivas ferramentas cortantes que num curto tempo desfizeram e arrastaram a árvore para o lado, salvando a situação antes do cair da noite. E minha filha dormia, só nós nos inquietávamos por ela. Afinal a manivela que o sr. motorista rodava era para gerar corrente eléctrica para o telefone só que para o retorno não tinha pilhas mas a Gabela ouvia bem o apelo e veio em socorro. Partimos e chegamos muito bem. Viagens pequenas mas Grandes viagens! Angola era assim. Grande África!!!. De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 7 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC Porto Amboím Primeiras Férias Era pelo final do ano de 1960 e ainda permanecia ao serviço da Companhia Angolana de Agricultura, uma enorme empresa dedicada á exploração de café e palmar. Tinha já cerca de um ano de trabalho e eis que me surge a dádiva bem merecida de uns dias de férias, creio que oito só. Porto Amboím era uma Vila á beira-mar por onde se escoava creio que todo o produto daquela companhia, e de muitas outras existentes na Gabela, pelos barcos de grande porte que ali paravam. Eu digo paravam na vez de acostavam porque não havia Porto acostável para aqueles cargueiros e então os barcos de menor porte faziam a transferência de terra para os cargueiros através de uma ponta de porto ali existente. A Boa Entrada distava desta Vila creio que 80 quilómetros. A viagem poderia fazer-se em camioneta de carga ou de comboio. Éramos muito novos tanto em idade como em estadia em Angola, acabávamos de ter o primeiro rebento, a Fátima nascida em Agosto e optámos pelo comboio para a viajem. O comboio era tão pequenino a meus olhos que mais parecia um brinquedo grande, já que filho e familiar de ferroviários estava habituado a vê-los em grande escala e com uma estrada muito mais larga e aquele até essa tinha reduzida. Ah, mas que sensação ao descer aqueles montes da Gabela a que chamávamos os Morros da Gabela em linha muito descendente e sinuosa para depois entrarmos numa planície de vegetação muito baixa e seca, a anhara, onde a vista se espraiava tranquila e onde uma miragem desértica nos dava logo a sensação de ao fundo vermos mar. Não era, porém, mas uma miragem apenas. E para quem há muitos meses só via café e palmeiras foi uma sensação, que parece ainda hoje estar comigo, de leveza, liberdade, contentamento. Mas a maior sensação foi a de ver o comboiozinho largando fumaças e já sem grande esforço ir percorrendo aquela extensão de terra plana e soltando de vez em quando um apito estridente como que a dar sinais de presença e contentamento. A certas altura o maquinista puxa do freio e abranda, puxa do apito e dá interrompidos assobios que estranhei. Levantei-me, fui ter com ele, pois quase teve de parar, que de cima da sua máquina me deixou apreciar uma maravilha inacreditável - alguns animais em manada, pais e filhos, atravessavam sem grande pressa nem temor a estradinha do comboio. Eram segundo ele algumas gazelas e mais adiante nunces que são algo parecidos mas de maior porte que conduziam as suas crias daí a não pressa que levavam. Disse-me o Senhor Maquinista ser um cenário muito frequente, daí ter de vir sempre de atenção redobrada apesar da vista ampla que ali desfrutava. Fiquei assombrado não só pela vista dos animais como do respeito que infundiam de preservação. Belo exemplo… Chegámos a Porto Amboím, de filha ao colo, uma malita ou duas e assentámos numas pequenas divisões junto aos armazéns que a empresa nos disponibilizou gratuitamente. Logo notámos que aquela Vila era dotada de um grande movimento comercial pois por ali também saíam o algodão, o sisal e outros produtos. O sol iluminava com benevolência tudo o que a nossa vista alcançava e em calor então superava o já suportado por nós e o suor escorria e ensopava a nossa parca roupa. Mal dormida a primeira noite embora mais pelo calor do que pelo que o nosso rebento nos incomodou, partimos no dia seguinte á procura de comida e ao reconhecimento do que haveria para passarmos o tempo. Além da bela e quente praia. pouco mais havia. Então á noite passeavam-se nas ruas enormes caranguejos que da praia se dirigiam para algum jardim ou relvado acessível onde petiscavam a relva. Eram chamados os caranguejos da horta e não eram comestíveis, talvez pelo sabor e pela abundância na pesca porque pelo volume eram de desejar. Ora mais umas passadas e eis-nos próximo do terminal de carga suficientemente iluminado para se ver um espectáculo inesquecível. Os peixes atraídos pela luz, volteavam a velocidades espectaculares mostrando o seu peito prateado a quem observava e os milhares de caranguejos que se entretinham a fugir dos nossos ruídos e sombras escavando buracos na areia onde se escondiam e voltavam a parecer a velocidades incríveis. Mundo maravilhoso aquele e tão simples. E eram estas simplicidades que nos deliciavam e atraíam em Angola. Terra grande com pequenas maravilhas… Assim renascíamos com pouco mais do que isto e a companhia dum nosso rádio e gira-discos portátil de som duvidoso mas que nesse tempo nos parecia de alta resolução e com apenas meia dúzia de discos de 45 rotações para ouvir. Eram os únicos parceiros diários que tínhamos certos. Era tempo mesmo para repousar. Eram férias… De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 6 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC OUTRA GRANDE VIAGEM da minha vida Esta sim é que eu considero a primeira viagem digna deste nome. Querem saber porquê? Venham comigo. Partimos da Boa Entrada, a sete quilómetros da Gabela. Peguem na vossa mala de porão, mais uma malita de viajem e um ou dois caixotes de mantimentos e aproximem-se do meio de transporte nada mais nada menos que uma camioneta bedford de 5 ou 6 toneladas e sejam bem-vindos a bordo. Nossa companhia: o motorista na cabine um europeu e carregadores penso que dois ou três. Passageiros: eu e minha mulher grávida de primeira vez de três meses, pé no acelerador e boa viagem. Mas por falta de lugar, só a vossa imaginação poderá seguir connosco. Ao sair da Gabela perde-se quase a linha do que é estrada e segue-se pisando as mesmas rilheiras ou linhas dos rodados que todos os carros pisavam. Com uns abanões laterais que as vezes chocam os nossos ombros, passam imensidões de terrenos tipo meio pelado ou anharas, de vegetação escassa e baixa, intercalada de grandes arvoredos diria mesmo umas pequenas florestas. Alguns animais de pequeno porte espreitam a nossas passagem até ao limite certo do perigo e outros já de maior porte mostram-nos as suas partes traseiras na fuga. Saímos ao despertar do dia, e são já horas de almoço e o caminho ainda não estará muito pelo meio. Estranho é o que encontrámos. Um senhor transmontano ou beirão dá-nos a seu modo as boas vindas, vive ali sozinho mais a sua prole mestiça e manda preparar o almoço cuja ementa já me não lembra mas penso que churrasco do quintal. E eu pensei e tentei perceber o que faria aquele homem viver tão distante do que chamamos civilização, mas o que mais me impressionou é que ele apesar do transporte que tinha não podia viajar com facilidade e muito menos com pressa no tempo pois nem estradas nem o tempo incerto ajudariam muito. A nossa viajem decorria a 20 quilómetros hora se tanto e depois vim a saber que parte do ano as chuvas não deixavam viajar. Então o seu mundo era a família, o comércio que o fazia ali estar e prover com precisão no tempo o seu armazém para que o comércio de vendas e trocas se não interrompesse para bem dele e de quem comprava ou trocava. Se fosse hoje não sei como as Finanças o colectavam e cobravam… Almoço pronto, saboreado, alguma conversa e novamente a caminho estrada fora a contar de ao entardecer chegarmos ao termo da viagem. Já tínhamos notado e experimentado o perigo de algumas pequenas correntes de água que o caminho o tornavam mole e ameaçaram enterrar as rodas do camião. Mas até ali vencemos. Passámos poucos quilómetros e num riacho que atravessava as rilheiras pareceu que não seria fácil passar já que começámos a sentir a rodas patinarem. Saímos, tentámos e voltamos a tentar. Eu disse para o senhor motorista que se passasse ali ao lado parecia terreno liso e bom. Foi o pior. Começou o rodado traseiro, sempre ele, a patinar. Abria-se caminho á frente mas andava alguns centímetros e o eixo já estava quase engolido, embora com o carro já a meia carga pois a outra parte já tinha sido descarregada. Nada se progredia e o sol baixava lentamente e de frente nenhum carro igual vinha que nos ajudasse num reboque. Então vamos ficar aqui e vamos pedir ao senhor se dá dormida pelo menos á Senhora. Mas a verdade é que com o esforço e o nervosismo, o estômago já não sabia onde parava o almoço. Ideia: levamos conosco bacalhau, batatas e fogão a petróleo e aqui temos água corrente, vamos cozer um jantar. Se bem dito melhor feito. Sentados no chão, todos comemos do mesmo alguidar com satisfação e bebemos água do regato corrente. E que bem que soube. Mas não resolveu o seguir viajem. Voltámos a pé alguns quilómetros e assim pedimos para ficar. Prontidão e umas mantas por cima e por baixo a servir de lençóis e em cima de uns ensacados macios passamos a noite. Ninguém se queixou nem da comodidade nem pela mistura de cores de pele nossas e dos carregadores nem pelos odores que certamente de noite foram preenchendo o espaço e substituindo os nossos cheiros temperados a banho. Cedo acompanhei o pessoal para retomar a azáfama enquanto minha mulher ficava. O carro foi literalmente descarregado e mesmo assim só saiu dali quando um outro em sentido contrário e da mesma companhia, a Companhia Angolana de Agricultura dedicada ali ao palmar, nos deu um impulso para depois passar também. Era já tarde. Carrega-se o carro enquanto vou buscar a minha mulher e seguimos para ao cair e muito da tarde vermos a Longanhia que não de Café mas de uma beleza de Palmar que vim a apreciar cada vez mais enquanto que ali permaneci. Será que consegui fazer sentir o que poderá ser uma viagem em Angola mato adentro? Oxalá para se não pensar erradamente que era tudo belo e fácil. Mas com que gosto e saudade penso nesta viagem voltando a repeti-la por igual, se isso fosse possível. Mas o tempo não volta atraz… De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 5 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC A travessia na Jangada do Rio Longa ,com destino á Fazenda Longa Nhia... A LONGANHIA Já falei no palmar. Já falei do rio, Mas ainda merece mais uma crónica esta terra. Distante de tudo e de todos, encaixada lá para os confins por vezes inacessíveis do Dondo, pertencendo a uma circunscrição administrativa chamada Capôlo, era um jardim de palmeiras ordenadamente plantadas com o fim de colher o démdém, além de formosas hortas e pomares, belas extensões de lagoas e alguns muito charcos onde coexistia quase toda e espécie de bicharada dentro e fora de água. As frutas eram tão dotadas que as laranjas e as mangas nos deixavam nas mãos um melaço forte do açúcar que continham que nos obrigava a lavar de imediato. Animais de alto porte desde o olongo, ao nunce, á palanca em especial a palanca negra que era espécie protegida e pouco vista noutro lado, á pacaça, ao hipopótamo e descendo depois para os mais pequenos, o coelho, a lebre, e uma espécie de porquinho, cujo nome não me ocorre e que ás vezes pecava pela ousadia de ser curioso, até ás nuvens de rolas bravas que chegavam a ofuscar os céus quando voavam em bando, de tudo havia naquela terra... O palmar estendia-se como já o disse, por cerca de 20 kilómetros ininterruptos só numa direcção e um pouco menos numa outra isto chamadas em língua local Candumbo e Tar assim o nome das dependências que formavam a fazenda, já que o que no café se chamava de Roças, em palmar eram Fazendas. E o que alimentava esta riqueza? Nada mais que as águas de dois rios: O Longa para Candumbo e o Nhia para o Tar que na sua descida ao unirem-se formavam um único a que se chamou Long-anhia ou Longanhia e que alimentava não só o chão do restante palmar como todo o abastecimento de casas, fábrica e restantes usos de irrigação. Para jusante deste belo rio, a uns 20 quilómetros situava-se o Posto Administrativo a que pertencíamos, Capôlo, aonde só nos poderiam levar algumas picadas sem sinalização ou o barco, rio abaixo. Viviam aqui connosco, a duzentos e mais quilómetros de distancia de qualquer meio mais povoado, nada mais que um casal meu vizinho recém casados, mais distante embora próximo três solteirões, o Sr. Brito encarregado de tudo, o Sr. Barbosa, encarregado da Fábrica e o pequeno homem da escrita e das comunicações cujo nome muito me esforcei por lembrar sem o conseguir. O snr Pereira era o nosso vizinho próximo e era o Encarregado dos trabalhadores em geral. O hospital distava de minha casa uns cem metros e dispunha já de internamento, sala de consultas, depósito de medicamentos, sala de esterilização que me lembre. Separada por um espaço térreo situava-se a zona das cozinhas, salas de lavabos já com chuveiros e tudo servia de zona de lazer e “sala” de estar para os doentes e famílias pois estas eram sempre suas acompanhantes e assistentes, quer mulheres, quer filhos. O laser baseava-se em conversas e jogos, dos homens, onde era muito usado uma espécie de gamão com pedrinhas e buraquinhos na terra, e que dava para horas e horas de entretém, acompanhado de umas cigarradas e ou cachimbadas do tabaco em estado virgem colhido na chitaca[1] de cada um ou do vizinho. Uma coisa que sempre me impressionou é que os nativos da mesma etnia principalmente, tudo dividiam do que tinham á excepção do trabalho. Os viajantes e se faziam grandes caminhadas teriam sempre onde ficar e comer na passagem. A grande maioria dos trabalhadores eram Bailundos, naturais de uma região mais ao sul de Angola e eram sociáveis, alegres e com eles íamos aprendendo a linguagem nativa chegando eu mesmo a dispensar intérprete em conversas menos profundas sobretudo no que se relacionava com saúde. Todo o trabalho era iniciado mais ou menos com o nascer do sol pois que este astro ali fazia queimar na hora do zénite não se ensaiando nada par nos dar temperaturas entre os 40 e 50 graus centígrados e por isso chegávamos a levantar pelas cinco da manhã. Claro que isto poderá parecer um exagero ou de difícil aceitação mas não, porque o deitar era cedo por falta de ocupação e serviço acabado partia-se para outro dia. Beneficiava sobretudo os trabalhadores rurais pois que acabavam a sua empreitada pela hora do almoço. Nós á tardinha voltávamos ao trabalho. Concordava com esta prática. A assistência na saúde era completamente gratuita quer para trabalhadores, quer para familiares ascendentes ou descendentes e colaterais mas não se negava a qualquer outro necessitado. A luz do dia estendia-se desde as 5 horas até ás 9 ou 10 horas da noite sempre bem esplendorosa. De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 4 ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC A GABELA !! Era uma Vila muito engraçada e a parecer naquele ano de 59, já feita por gente de vistas mais largas, qual Marquês de Pombal e as ruas de Lisboa, porque tendo uma anatomia do espaço já desenhada em largo, como era a rua Central que mesmo em terra macadamizada era recta e de medidas largas tinha as outras ruas todas em ângulos rectos e o casario creio que não ultrapassava o 1º andar. Bastantes eram já as casas destinadas ao comércio e foi lá onde fiz uma compra que ainda guardo: um rádio National que ainda dá uns gemidos e que na minha inocência de novo africano comprei com alimentação a corrente eléctrica e como esta nas roças mal funcionava tive de mandá-lo adaptar a corrente de bateria. Adoro a aparência deste rádio de onda Média, Curta e Longa por ser o meu primeiro e porque nunca vi outro igual ou mesmo parecido. Ainda hoje assim está, o trabalho feito por um amador indiano que tinhas também muito jeito para cozinhar. Um dia fez um petisco e saiu mal. Fez-se pensativo e de repente dispara: já sei porque foi. Esqueci usar o avental… A Gabela, hoje cidade a que não mudaram o nome, tinha uma pequenina estação de caminho de ferro de via reduzida e portanto carruagens de menor porte que desciam e subiam aqueles morros de acesso á Vila a uma velocidade igualmente reduzida. Para baixo, em direcção a Porto Amboim tudo ia bem. Mas para cima quando traziam cargas assisti a um espectáculo inesquecível. A locomotiva a vapor não podia subir com tanto peso. Então o maquinista ou o fogueiro, desatrelavam metade ou parte daqueles vagões e levavam para a estação a primeira parte da composição. Depois de entregarem aquela meia encomenda descia só a locomotiva e a dupla tripulação, engatava a restante carga e lá iam outra vez para a pousar na estação da Gabela. E nos dias de maior cacimbo em que os carris molhados não davam aderência suficiente para as rodas motoras, então, o fogueiro descia e a pé á frente da máquina com uma espécie de regador, depositava areia fina e sêca no carril para evitar que as rodas patinassem. E resultava… Não foi que isso tivesse sido invenção deles. Só que cá, eu conhecia a técnica mas a areia saía automaticamente da própria máquina para o carril, a dose do maquinista. Quanto eu gostava de estar no trabalho e ouvir os apitos estridentes daquelas lobas de fogo que pareciam monstrinhos a sair do nevoeiro quando o vapor á volta delas se condensava e as deixava a nu. Como eu gostava de ouvir o pouca-terra, pouca-terra, acompanhado de vómitos escuros de fumo que inundavam as redondezas e se dissipavam muito além do local onde nasceram! E quando o pedido de ajuda mais intenso era necessário então ouvia-se o apito intermitente e demoradamente qual pessoa em apuros, gritando ou gesticulando pedindo socorro. Então nas oficinas que visitei junto á estação tudo me parecia um local de recreio de crianças em que até os guindastes e macacos se pareciam aos da série de comboios do inglês Tommy! Mas uma coisa que me não passou despercebida foi a do cuidado na manutenção do bom visual das locomotivas que raras vezes não manteriam aquele tom de lavado, conservado e polido que gostamos de ver mesmo nestes monstrinhos de ferro e aço. E então, hoje já não vos posso dar esse conselho porque o desprezo pela conservação do que foram esses objectos é bem patente nos cemitérios onde eles moram, se pudessem contemplar este quadro de um monstro de formas não muito éticas para hoje, com umas entranhas cheias de fogo, metendo para dentro de si muitos milhares de litros de água e ver sair da chaminé intenso fumo preto e de outras partes vapor muito alvo e sibilante, um homem, o fogueiro atirando por aquela boca escancarada a mostrar fogo vivo, lenha ou pás de carvão para que a sua pujança quando pedida pelo outro homem, o maquinista, se mostrasse em força e ver reluzir por entre essa névoa o preto brilhante do corpo e as cintas amarelas que o enfeita, então dir-me-iam quanta razão tenho para ter esta admiração e vaidade de dizer que o espectáculo começou e vai durar na viajem. Parabéns aos amigos que ainda hoje tentam conservar e fazer rodar alguns especímenes, que, não fosse assim estariam votados ao abandono e á voragem da ferrugem. Parabéns ferroviários exemplares!!! Pena tenho de não conhecer profundamente a Gabela pois as minhas passagens por ela foram muito fugazes pois na CADA não nos davam tempo para “Turismo”e um dia que voltei foi mais votado á mostra da Boa Entrada a meus filhos. De- Augusto Rebola "Crónicas da CADA" Esta foi a 3ª Edição. NGA SAKIRILA KINENE!! MBOIM !! :) AVISO-Estes escritos estão registados e protegidos pelo IGAC |
Clica no Play e sintoniza a nossa RádioAutorCrónicas Da C.A.D.A. ,é um folhetim que conta histórias veridicas de Cadaences e amigos das nossas páginas no FB e aqui do nosso Blog no Site da Comunidade. "Crónicas da C.A.D.A."
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