Luaty Beirão Anuncia Fim de Greve de Fome
O activista escreve aos companheiros detidos e à sociedade. A greve de fome chegou ao fim. Leia aqui a “Carta aos meus companheiros de prisão”. É a notícia do fim da greve de fome de Luaty Beirão. Em carta enviada à redacção do Rede Angola pela família de Beirão, escrita pelo activista ontem e dedicada aos seus 14 companheiros detidos e à sociedade civil, Luaty Beirão, ao fim de 36 dias, anunciou o fim da greve de fome que iniciou dia 21 de Setembro em protesto contra o excesso de prisão preventiva. A “Carta aos meus companheiros de prisão”, começa, tal como as detenções dos activistas, na data que deu inicio àqueles que se contabilizam hoje em 129 dias de detenção: 20 de Junho de 2015. “Junho vai longe. Passámos muitos dias presos em celas solitárias, alguns sem comer, com muitas saudades de quem nos é próximo. Pelo caminho sentimos a solidariedade da maioria dos prisioneiros e funcionários. Tivemos apoio de família e amigos.” Detidos em diferentes estabelecimentos prisionais por cerca de três meses – Estabelecimento Prisional de Calomboloca, Unidade Prisional do Kakila, Hospital Psiquiátrico e Comarca Central de Luanda – , unanimemente acusados de “actos preparatórios para prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”, de momento, todos os activistas se encontram no Hospital-Prisão de São Paulo. Luaty Beirão, internado na Clínica Girassol, em Luanda, desde o dia 15 de Outubro – transferido pelos serviços prisionais por se encontrar em estágio avançado de greve de fome -, conseguiu, devido ao acesso a mais visitas e consumo de informação, aperceber-se dos movimentos de solidariedade e indignação em relação ao processo. “Tive a oportunidade de me aperceber do que nos espera lá fora e queria partilhar convosco o que vi: Vi pessoas da nossa sociedade, que lutaram pelo nosso país e viveram o que estamos a viver, a saírem da sombra e a comprometerem-se em nossa defesa, para que a História não se repita. Vi pessoas de várias partes do mundo, organizações de cariz civil, personalidades, desconhecidos com experiências de luta na primeira pessoa que, sozinhos ou em grupo, se aglomeram no pedido da nossa libertação. Já o sentíamos antes, mas não com esta dimensão”, conta Luaty aos seus companheiros. É um texto de um, e para todos os prisioneiros políticos. São eles: Domingos da Cruz, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessia Chiconda “Samussuku”, Inocêncio Brito, Sedrick de Carvalho, Fernando Tomás Nicola, Nelson Dibango, Arante Kivuvu, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias, Osvaldo Caholo, Manuel Baptista Chivonde “Nito Alves” e Albano Evaristo Bingo. A 21 de Outubro, o grupo de detidos pediu a Luaty Beirão que parasse com a greve de fome. Desde a detenção dos activistas, vários são os grupos de apoio nacionais e internacionais que apelam à libertação dos presos políticos em Angola, exigindo justiça e celeridade para a resolução do processo. Organizações, tal como a Amnistia Internacional (AI), a OMUNGA, a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), o Grupo de Apoio aos Presos Políticos Angolanos (GAPPA), a Organização das Nações Unidas (ONU) e União Europeia (UE), entre outras, tornaram-se voz activa na exigência pelo respeito aos Direitos Humanos no país. A sociedade civil, através de várias vigílias pacíficas e acções de solidariedade em diferentes países, apoia as famílias dos detidos e reclama “Liberdade Já”. Grito com início num movimento que surgiu pela libertação de todos os presos políticos de Angola. Angola, Brasil, Portugal, Reino Unido, EUA, são, entre outros, alguns dos países que têm em agenda humanitária e informativa o caso dos “15+2”. À sociedade, Luaty dedica as seguintes palavras: “Não vou desistir de lutar, nem abandonar os meus companheiros e todas as pessoas que manifestaram tanto amor e que me encheram o coração. Muito obrigado. Espero que a sociedade civil nacional e internacional e todo este apoio dos media não pare.” As acções de solidariedade não têm sido, no entanto, bem recebidas por todos. Em diferentes órgãos de comunicação nacionais, muitas são as linhas de críticas escritas devido ao envolvimento externo no apelo à resolução do processo. As mais comuns têm Portugal como destinatário. A título de exemplo, na rubrica A Palavra do Director, intitulada ” De Portugal nada se espera”, o órgão de comunicação estatal Jornal de Angola, através da assinatura de José Ribeiro, invocando o passado, regista que se está “perante um episódio produzido pelos profissionais que garantiram a melhor cobertura à guerra do criminoso Jonas Savimbi e do regime de apartheid e hoje se apresentam travestidos de democratas e defensores dos direitos humanos”. Os profissionais são, entre outros nomeados, os jornalistas portugueses ou os detentores de órgãos de comunicação. “A central mediática que está na primeira linha dessa operação em Portugal pertence a Francisco Pinto Balsemão, militante com o cartão n.º1 do Partido Social Democrata (PSD) e articula-se entre os canais SIC, o semanário “Expresso” e toda a rede de publicações do Grupo Impresa”, acusa José Ribeiro. São também já conhecidas as duras críticas à presença em Angola, e envolvimento no apelo à libertação dos activistas, da eurodeputada Ana Gomes; ou a repressão às vigílias por parte da Polícia Nacional. Por tudo isso, Luaty alerta para o facto da força ainda parecer “desproporcional”, referindo que, apesar do caso ter servido para expôr a “fragilidade “ de quem governa, a “prepotência, incompetência e má fé” continuam presentes na gestão do processo. Para as atitudes acima descritas, Luaty diz o que já muitas vez repetiu: “Vamos dar as costas. E voltar amanhã de novo”, anunciando por fim: “Vou parar a greve.” De momento, há que contabilizar, para além dos 15 detidos em Junho, as activistas Laurinda Alves e Rosa Conde -, constituídas arguidas do mesmo processo a 31 de Agosto e a aguardar julgamento em liberdade E ainda Domingos Magno, detido no dia 15 de Outubro por “falsa qualidade”, ao ter na sua posse indevidamente um passe de imprensa que lhe daria acesso à Assembleia, onde pretendia assistir ao discurso sobre o Estado da Nação. É também considerado preso político Marcos Mavungo, detido há seis meses e condenado, no dia 14 de Setembro, a seis anos de prisão, acusado do crime de rebelião contra o Estado. E Arão Bula Tempo, acusado formalmente de crime de rebelião e instigação à guerra civil. É sobre todos eles que Luaty fala. “Estou inocente do que nos acusam e assumo o fim da minha greve de fome. Sem resposta quanto ao meu pedido para aguardarmos o julgamento em liberdade, só posso esperar que os responsáveis do nosso País também parem a sua greve humanitária e de justiça. De todos os modos, a máscara já caiu. A vitória já aconteceu”, afirma. Segue-se um pedido: “Abracemos todo o amor que recebemos e agarremos todas as ferramentas. Juntos. Já não somos os ‘arruaceiros’. Já não somos os “jovens revús”. Já não estamos sós. Em Angola, somos todos necessários. Somos todos revolucionários.” Por fim, o activista assina, em luta pacífica, por “uma verdadeira transformação social” em Angola. O julgamento decorrerá entre 16 e 20 de Novembro. Carta de Luaty para os companheiros detidos e à sociedade
Carta de Monica Beirão mulher de Luaty
“A minha carta de Amor ao Herói da minha vida!”
“Amor, prefiro-te marido, pai e amigo a ter-te como mártir. Sempre te admirei enquanto pessoa, pela tua determinação, pela tua sensatez e humildade, pela tua força e pela fé nas coisas em que acreditas. Mesmo antes de te lançares para o “canhão” da luta de derrube das injustiças que vivemos no nosso país admirava-te! Não é de hoje a minha admiração nem cresce diante desta tua decisão. Cresceu durante estes rápidos sete anos da nossa relação. Rápidos, porque parece que foi ontem que te conheci, parece que foi ontem que me apaixonei por ti, e mesmo diante deste momento difícil que estás a passar vejo o mesmo olhar dantes. Quero-te presente e bem vivo para que possas transmitir esses valores bem vincados à nossa pequena Luena, o nosso raio de sol, o nosso sweet life, porque sinto-me incapaz de os passar sozinha, porque não os tenho tão vincados. Nós, eu e o nosso pequeno mas grande amor, queremos compartilhar mais momentos juntos, queremos ajudar-te na tua luta e acima de tudo recebermos o amor que é tão habitual termos. Quero lembrar-te da promessa que me fizeste quando recebeste a Luena dos meus braços, minutos depois de ela ter nascido: que a partir de agora a coisa mais importante da tua vida é ela. Entendemos que sejas um homem de palavra e que levarás a tua palavra até ao fim, mas quero que tenhas em mente que as promessas são apenas palavras até começarem a ser cumpridas pelas nossas atitudes. Eu e a Luena esperamos que a cumpras. Tu és o nosso herói, o exemplo de pai presente, o exemplo de marido honesto e um homem de palavra. Amamos-te muito! Da tua sempre persuasiva mulher, que conta, desta vez, persuadir-te a acabar a greve de fome, pois há uma promessa acima desta que tens mesmo de cumprir, não por mim mas pelo nosso tesouro, a Luena Almeida Beirão.” Luaty Beirão luta para recuperar 23 quilos e provar inocência
O ativista angolano Luaty Beirão perdeu 23 quilos na greve fome que hoje terminou, iniciando agora "batalhas" pela recuperação física e para provar a inocência em tribunal, disse a mulher, Mónica Almeida.
"Percebeu que realmente o objetivo dele já estava alcançado e que agora tem que se preparar para o próximo passo. É uma decisão que ele tomou por causa de um somatório de acontecimentos, de apelos, e está normal. Tem que recuperar, porque foram 36 dias sem comer", explicou à Lusa a esposa, após visitar Luaty Beirão na clínica privada onde o ativista está sob detenção, assumindo o "alívio" da família, face ao agravar do seu estado de saúde. De acordo com a mulher, os apelos da sociedade civil, as vigílias e as "cartas dos colegas", os restantes 14 ativistas detidos no mesmo processo, suspeitos de preparação de uma rebelião em Angola, foram "decisivas para o fim da greve de fome", numa altura em que o 'rapper' pesa 62 quilogramas, menos 23 do que quando iniciou a greve de fome, a 21 de setembro, exigindo aguardar julgamento em liberdade. "Está a recuperar, mas continua convicto", explicou Mónica Almeida, reconhecendo que, agora, com a família "mais aliviada", começam novas batalhas para Luaty Beirão, iniciando um processo de realimentação, durante alguns dias, com base em líquidos. "Na verdade são duas [batalhas]. Recuperar a forma física e o julgamento", admitiu. "Todos os minutos pesavam e pensávamos que pudesse acontecer o pior. Agora estamos bastante mais aliviados, sim", confessou Mónica Almeida, apesar de ainda apreensiva com os mais de 20 quilogramas perdidos por Luaty Beirão em 36 dias de greve de fome. O músico e ativista, que também tem nacionalidade portuguesa, é um dos 15 angolanos em prisão preventiva desde junho, sob acusação de atos preparatórios para uma rebelião em Angola e um atentado contra o Presidente da República. Os restantes 14 aguardam julgamento no hospital-prisão de São Paulo, em Luanda, tendo Luaty Beirão pedido anteriormente para sair da clínica privada onde se encontra por precaução para se juntar aos colegas, em solidariedade. "O julgamento é daqui a 20 dias e para quem esteve em greve de fome é muito pouco para recuperação. Mas certamente que vai estar melhor do que se estivesse em greve de fome", disse ainda Mónica Almeida. O 'rapper' e ativista angolano terminou hoje a greve de fome de protesto, mas avisou que não vai desistir de lutar pelo fim da "greve humanitária e de Justiça" em Angola. "Estou inocente do que nos acusam e assumo o fim da minha greve. Sem resposta quanto ao meu pedido para aguardamos o julgamento em liberdade, só posso esperar que os responsáveis do nosso país também parem a sua greve humanitária e de justiça", afirma Luaty Beirão, na carta enviada pela família à Lusa e na qual anuncia o fim da greve de fome, que na segunda-feira completou 36 dias. "À sociedade: Não vou desistir de lutar, nem abandonar os meus companheiros e todas as pessoas que manifestaram tanto amor e que me encheram o coração. Muito obrigado. Espero que a sociedade civil nacional e internacional e todo este apoio dos media não pare", escreve Luaty Beirão na mesma declaração, sob o título "Carta aos meus companheiros de prisão". De acordo com Mónica Almeida, por instruções de Luaty, a filha de ambos, com dois anos, vai continuar sem visitar o pai. "Não quer que a filha o veja nessas condições, deitado numa cama. Se tudo correr bem, o melhor é regressar a casa e a filha vê-lo entrar da mesma forma que o viu sair, pela última vez, a 20 de junho", concluiu a esposa. Toda a Verdade, quem são os activistas e como foram presos
"Os filhos do musseque que se juntaram ao filho do regime em Angola"
A maioria dos 14 activistas, presos com Luaty Beirão, vive nos bairros da periferia de Luanda. São músicos, engenheiros, professores universitários, trabalhadores por conta própria e estudantes. Não abdicam dos livros nem dos estudos. Estão presos há 126 dias. São estudantes universitários, jovens dos musseques de Luanda, músicos e rappers, intelectuais de blogues e sites, que querem fazer ouvir a sua voz muito além da capital angolana. Em 2011, desejaram uma Primavera Árabe que fosse deles. Quiseram chegar, com a sua mensagem, a outros jovens de Angola – representativos da grande maioria da população. Jovens que só conheceram um Presidente no poder e não têm memória do terror, como ainda têm os pais, dos massacres do 27 de Maio de 1977. Também em nome dos mais velhos que, como dizem, sofreram com a guerra sem nunca beneficiarem da paz, falaram alto – no activismo de rua, em manifestações ou vigílias. Várias vezes conheceram a prisão, o isolamento, a tortura silenciosa, a vigilância policial na vida do dia-a-dia – não apenas desde 20 de Junho deste ano quando foram presos, juntamente com Luaty Beirão, mas desde 2011 quando, sem medo, gritaram nas ruas: “A revolução será televisada e triunfará.” Adoptaram nomes de luta ou nomes artísticos. Alguns deles têm na música uma arma política. Nasceram em Luanda, como Luaty Beirão, ou vieram do Bengo, Malanje, Moxico, Uíge, Huambo e Luanda Norte, como os muitos angolanos que convergiram para a capital, durante a guerra ou depois de alcançada a paz em 2002. Os 14 presos e amigos de Luaty pediram-lhe, esta semana, que desista da greve para que não desista da luta. Precisam dele vivo, dizem, como líder moral. A uni-los têm ideias políticas, livros e escritos que publicam em blogues e sites na Internet, e os estudos universitários que alguns já concluíram – em cursos de Ciências Políticas, Filosofia, Engenharia Informática, Psicologia, Direito ou Economia. A origem modesta da maioria não lhes retira as aspirações que têm para eles e para as novas gerações. Metade da sua vida já foi vivida em paz. Os 15 activistas presos estão entre os poucos que resistem e ignoram as ofertas do Governo angolano em troca do silêncio. Estudam, trabalham por conta própria ou ensinam em universidades privadas. De muitos deles dependia o sustento da família. Vêm de uma condição social modesta, de famílias do musseque. Ao lado deles, Luaty Beirão, a viver num bairro central de Luanda, é o único (neste grupo) de uma família com ligações ao poder do MPLA. O músico, engenheiro e activista prescindiu de empregos e das regalias de que poderia beneficiar por ser filho de João Beirão, um amigo do Presidente, falecido em 2006, a quem José Eduardo dos Santos confiou a presidência da sua fundação (Fesa). As prisões Nessa tarde de 20 de Junho, Luaty e 12 outros activistas do grupo foram surpreendidos por agentes da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) na habitual reunião que os juntava aos sábados na livraria Kiazele, no bairro central de Vila Alice – inspirados por obras como o livro de Gene Sharp, Da Ditadura à Democracia: uma abordagem conceptual para a libertação, sobre estratégias de luta contra ditaduras. Um dia depois, na cidade de Santa Clara, na província de Cunene, era preso Domingos da Cruz, quando viajava para a Namíbia, enquanto em Luanda, agentes da polícia revistaram a sua casa de onde levaram “tudo o que era papéis com escrita”. Professor e escritor, Domingos da Cruz foi durante muito tempo “vigiado pelas autoridades pelos seus escritos considerados subversivos”. O seu livro Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura: Filosofia Política de Libertação para Angola é descrito pelo jornalista Rafael Marques como sendo inspirado e adaptado da obra de Gene Sharp. O académico angolano não faz parte do Movimento Revolucionário mas participou, como orador, nalgumas das reuniões que se realizavam desde Maio pelos presos (e outros que não puderam estar nesse dia). Como este professor – que fez um Mestrado em Ciências Jurídicas sobre Direitos Humanos na Universidade Federal da Paraíba, no Brasil que dias depois da sua detenção apelou à sua libertação – também o académico Nuno Dala, 31 anos, fez estudos no estrangeiro. Tinha sido preso na na livraria Kiazele. Nuno Dala concluiu um Mestrado em Ciências da Educação pela Universidade de Winnipeg, Canadá, e é investigador e professor da Universidade Católica de Angola. Também dá aulas no Centro de Atendimento e Integração de Crianças Especiais. Nesse fim-de-semana de Junho, Domingos da Cruz e os 13 detidos em Luanda foram levados para cadeias fora da capital, onde ficaram semanas em isolamento e sem contacto com a família e advogados, sem saberem de que eram acusados. Osvaldo Caholo, tenente da Força Aérea e professor auxiliar de História de África na Universidade Técnica de Angola, a mesma onde se licenciou em Relações Internacionais, foi preso uns dias mais tarde. Um mês antes tinha sido distinguido como um dos melhores alunos que frequentou a Universidade Técnica de Angola, contou a mulher Delma Bumba ao site Maka Angola. Era com ela que estava em casa, quando alguém às 7h00 da manhã se fez passar por vizinho, ligou pelo intercomunicador, sob pretexto de que estava um carro vandalizado à porta e pediu para Caholo abrir a porta. Seis elementos das forças de segurança entraram e levaram-no. Voltaram mais tarde para revistar tudo, levar computador, telefones e muitos livros. Entre eles estava Purga em Angola de Dalila e Álvaro Mateus, sobre os massacres do 27 de Maio. Além do tenente da Força Aérea Osvaldo Caholo, dos dois docentes universitários Domingos da Cruz e Nuno Dala, e do músico e engenheiro Luaty Beirão há, entre os presos, professores, um mecânico, um engenheiro informático, um funcionário público, o jornalista do jornal Folha 8 Sedrick de Carvalho, o estudante e técnico informático Nelson Dibango, de 32 anos, e estudantes, como Benedito Jeremias “Dito Dali” de 26 anos, que está a estudar Relações Internacionais e Inocêncio António de Brito “Drux”, 28 anos, de quem a irmã conta como foi levado de casa com um saco preto na cabeça para não se aperceber para onde ia. “Um povo em desespero” José Gomes Hata é professor do 2º ciclo e autor de letras de hip-hop onde descreve “um povo em desespero”, num país onde “alguém morre por ser sincero”. E diz: “somos o indescritível/(…) não adianta falar de leis/aqui é um caso inconveniente/vivemos na desordem/sob a ditadura de um presidente (…)”. Lidera o grupo de hip-hop Terceira Divisão, de que também faz parte Hitler Jessia Chiconda “Samussuku” e que tem um irmão que se chama Mussolini, por escolha do pai, “um gozão”, como é descrito no site de Rafael Marques. Hitler é aluno do 4º ano de Ciências Políticas da Universidade Agostinho Neto. Com 25 anos está entre os mais novos do grupo, como Sedrick de Carvalho, jornalista e finalista do curso de Direito. O mais novo dos presos tem 19 anos. Com 15 anos, quando ainda vivia no Huambo, escolheu mudar de nome. No novo registo, acrescentou a Manuel Chivonde Baptista o nome Nito Alves, do líder (com José Van Dunem) do movimento que, dentro do MPLA, contestou o Presidente Agostinho Neto, e foi brutalmente reprimido no 27 de Maio de 1977. E foi pelo nome de Nito Alves que passou a ser conhecido “o rapaz que abalou o regime” quando em 2013 esteve preso dois meses, acusado de “ultraje ao Presidente”, por ter imprimido t-shirts com palavras contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Manuel Nito Alves é acusado de usar um nome falso e ilegal pelo Ministério Público que acrescenta a essa acusação a mesma que profere contra todos os 15 activistas presos desde Junho e as duas activistas, Rosa Conde e Laurinda Gouveia, que aguardam em liberdade o início do julgamento a 16 de Novembro: a acusação de “um crime de actos preparatórios para a prática de rebelião” e “atentado contra o Presidente da República ou outros membros de órgãos de soberania”. No grupo dos activistas na prisão, o mais velho é Fernando Tomás “Nicola Radical”. Só ele nasceu antes de José Eduardo dos Santos chegar à presidência, em 1979. Tinha um ano. Como ele, um mecânico de 37 anos, muitos dos presos são pais de bebés ou crianças muito pequenas que, por isso, não os podem visitar. “As crianças nunca foram ver o pai”, disse Sara João Manuel, mulher de Nicola Radical à Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo do Brasil, que ouviu igualmente o desabafo de Juliana Oliveira, mulher de José Gomes Hata “Cheik Hata”: “Ele anda com uma raiva profunda.” E a dizê-lo, quase se comove. “O meu irmão praticamente está a enlouquecer”, acrescenta Lídia Kivuvu sobre o irmão Arante Kivuvu, entre os mais novos, com apenas 20 anos, estudante do 1º ano de Filosofia na Universidade Agostinho Neto. "Até mesmo reis são destronados!” Depois das prisões de 20 de Junho, os familiares dos activistas viveram dias de tormento em que não se sabia ao certo se havia mortos entre os desaparecidos – não se sabia se estavam presos, só se sabia que estavam desaparecidos. Agora são eles que sentem os seus passos “vigiados” todos os dias. Mulheres, mães e irmãs, pais, irmãos e outros familiares dos activistas quiseram pedir a sua libertação nas ruas ou em vigílias frente a igrejas de Luanda, já em Outubro, mas foram cercados pela polícia e forçados a sair. Numa marcha em Agosto, terão sido agredidas e ameaçadas por polícias armados e munidos de cães e bastões. “Nós temos medo, mas temos de defender os nossos familiares”, diz Gertrudes Dala, irmã de Nuno Dala, na mesma reportagem. “Eles só querem mudança, melhorar o país, porque estamos a sofrer.” O pai de Nito Alves, Fernando Baptista, acrescenta: “Admiro estes jovens. São pessoas que lutam bem social de todos nós.” Fernando Tomás “Nicola Radical" é, como descreve Rafael Marques, “um dos activistas da linha da frente” – dos que mais têm sofrido perseguição e tortura, e dos que mais consistentemente persistem, ao longo nos anos, nas palavras e nos actos contra o regime – como também Arante Kivuvu, Albano Evaristo Bingobingo “Albano Liberdade”, 29 anos, ou ainda Mbanza Hamza, 30 anos, que várias vezes foram presos nos últimos anos. O rapper, pai de dois filhos, estudante universitário e professor do ensino primário, assina os seus textos como Mbanza Hamza, soldado esquecido. “A ignorância (ganância incluída) e a submissão” (…) “estão a levar-nos a uma tragédia irreversível”, escrevia em “Tragédia de um Povo”, texto publicado, em Março de 2012, no site Club K Angola, onde proclamava: “Um rei não precisa de votos. (…).Alguns reis foram destronados quando deixaram de entender a sua missão. (…) Até mesmo reis são destronados!”
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